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domingo

Casebre mal-assombrado, texto do livro Histórias do além (assombrações, experiências sobrenaturais, visagens, tesouros, ...), de Rogério Corrêa

Texto do livro Histórias do além (assombrações, experiências sobrenaturais, visagens, tesouros, ...), de Rogério Corrêa:

Casebre mal-assombrado

Na sede velha da fazenda Claro de Minas já aconteceram muitas coisas estranhas.
O finado Jair contou que testemunhou um dia em que algumas pessoas espíritas desenterraram

um pequeno tesouro perto do velho casebre.
Aconteceram muitas coisas estranhas naquela noite, viram dicoques[1] do tamanho de uma bacia, um gato preto dos olhos vermelhos e do rabo muito grosso, além do aparecimento de marimbondos.
Zé Raimundo contou que morava na tal casa de fazenda do senhor José, seu compadre, e presenciou um casal de baianos que morava em Belo Horizonte e havia sido contratado para tirar as coisas esquisitas dali, falharem. Assim como outros, como se verá adiante. No caso dos baianos, um bicho prendeu as pernas do homem atrás da cabeça dele, e a coisa foi feia. Somente com muito sacrifício foi que as pernas do homem voltaram para o lugar.
Em outra ocasião chamaram uma mulher para “fazer o trabalho” de tentar retirar as assombrações do lugar. A mulher começou a falar coisas incompreensíveis, e andar com as mãos em lugar dos pés. Às vezes, andava apenas em uma das mãos dentro da casa. Foi um peteco só.
Já era bem tarde da noite, e o Zé Raimundo e a esposa dele não queriam dormir no local, então resolveram ir para Vazante.
No entanto, as pessoas contratadas pediram para ninguém ir enquanto não concluíssem todo o trabalho, caso contrário poderia acontecer alguma coisa no caminho.
As recomendações foram atendidas, aguardaram dentro do carro. Quando era de madrugada, acordaram e avistaram um homem estranho passando próximo ao carro e desaparecer em seguida. Isso não o impressionou, pois podia ser uma pessoa qualquer passando por ali naquele horário. Porém, criou coragem de ir embora para a cidade, mesmo correndo o perigo de o bicho jogar eles dentro de uma ponte ou coisa parecida.
Não aconteceu nada e também não resolveram o problema.
Novamente trouxeram ajuda com outra pessoa do ramo, outra mulher. Ela chegou na fazenda por volta de meio-dia. Pouco tempo depois ela disse que a coisa estava debaixo de um pé de manga. Mal falou isso e levou uma queda bruta que a virou de pés pra cima, ela se esborrachou no chão.
Ao se levantar, a mulher estava com uma voz estranha e falando coisas esquisitas, braba como uma onça raivosa, falando que iria pegar um da família. Nessa hora o homem que acompanhava a mulher pediu para ajudá-lo a segurá-la. A mulher passou a mão em um trancelim de ouro e o trancelim se despedaçou em muitos pedaços.
Continuava espumando a boca e falando coisas do outro mundo, coisas que ninguém entendia. O marido da mulher pediu ajuda. Ele era mais jovem, naquela época, tinha muita força. Foi em direção à mulher e deu uma cacetada nas costas dela, com as próprias mãos. Ele pensou que ela iria cair de bruços devido à forte pancada, só que a coisa deu uma cambalhota e caiu de costas, e continuou falando coisas estranhas.
Novamente o marido da mulher pediu ajuda, no sentido de irem buscar outro cidadão também dedicado ao mundo espiritual para ajudá-los a resolver o caso.
Zé Raimundo não quis saber de ir buscar o outro homem na cidade, entregou as chaves para ele e pediu que entregassem o carro no outro dia.
Pensou que não receberia o carro inteiro. No outro dia entregaram o carro do mesmo jeito que antes e foi informado que não deram conta de resolver o caso.
Se antes não tinha medo, a partir daí começou a ficar com muito receio da coisa. Por respeito ao proprietário da fazenda, apesar dos bons motivos para se mudar de lá, sempre era convencido a não o fazer, porque se se mudasse, nenhuma outra pessoa moraria lá.
Passados alguns dias, acordou durante a noite e sentiu um grande arruaço e ouviu uma voz grossa dentro do quarto escuro. Ele perguntou:
― Quem está aí? O que você quer?
E a coisa respondeu:
― A partir de agora, é eu, ocê ou um túmulo.
Naquela hora ele falou para a coisa que não queria nada de túmulo ou de coisa nenhuma, só queria sair dali.
Chamou a esposa, mas, ela não acordava de jeito nenhum. Depois de muita insistência, conseguiu despertá-la. Contou o que tinha acontecido e informou que iam para a cidade naquela hora (pouco mais de meia-noite). Era só o tempo de vestirem as roupas e pegar uma lamparina[2] para levar até o carro.
Zé Raimundo ficou com tanto medo que chegou a pensar que a coisa iria pegar eles no caminho e cortar o farol do carro. Por isso, tinha de levar uma lamparina.
Entrou no seu fusca e seguiu viagem muito preocupado e ainda assombrado. No caminho não aconteceu nada, porém, quando entrou na cidade, perto onde é o atual Fórum de Justiça, virou para à direita, na rua que atualmente fica a Delegacia de Polícia Civil. A coisa deu uma chicotada no carro, na parte traseira, fez um barulhão, parecia um tiro, de tão alto. Olhou pelo retrovisor e, dos lados, não viu nada. Perdeu a coragem de parar na delegacia e acelerou. Ao chegar na fazenda de seu patrão, não quis acordá-lo. Dormiram na casa próxima, onde a sua mãe morava.
Quando o dia amanheceu, o senhor José avistou o carro, e então foi cumprimentar seu compadre.
― Bom dia, compadre.
― Bom dia.
― O que aconteceu para estar aqui tão cedo? ― Ele perguntou.
Zé Raimundo contou tudo ao patrão, o compadre senhor José, e informou que não voltaria mais àquela casa.
Nessa hora o senhor José colocou as mãos na cabeça e suplicou:
― Meu compadre, pelo amor de Deus, não deixa a casa, porque se o senhor sair de lá, outra pessoa não permanecerá na casa.
― Compadre, dessa vez não tem volta, está decidido, não durmo lá nunca mais.
― Não tem volta mesmo?
― Não, compadre, eu lamento.
Zé Virgílio ficou calado por algum tempo, depois falou:
― O senhor vai ter que voltar lá agora para tirar o leite e levar sal para o gado.
Senhor José era muito sistemático, e por eles darem muito certo, resolveu fazer o solicitado. Quando já estava perto da fazenda, em uma reta, uns cento e poucos metros da casa, a coisa ruim pegou um dos lados do carro e levantou para o alto, se levantasse mais um pouco ele virava. Ficou com tanto medo que só lembrou de pedir proteção à Nossa Senhora, e, então, o cramulhão soltou o fusca e deu aquele solavanco que quase o despedaçou.
Zé Raimundo conta que olhou para os lados e não viu nada. Naquele momento ele se tremia todo, e o medo era demais. A parte da estrada em que ele estava era um lugar tão reto, e sem mais nem menos o trem fez aquilo com o carro!
Terminou de chegar na casa, porém, não entrou dentro dela. Zé Raimundo estava meio desorientado, parecia um tanto ruim da cabeça. Mesmo daquele jeito, tirou o leite, fez os queijos, colocou sal nos cochos e retornou para a fazenda do patrão.
Ficou tão descabreado com aquele lugar assombrado, que acabou esquecendo até o cachorro que ele mais gostava. Nos outros dias ele não retornou à fazenda, o senhor José tinha arrumado outro peão para tirar o leite e fazer os queijos.
Passados alguns dias, Zé Raimundo se lembrou de que tinha de voltar lá para buscar o cachorro, caso contrário, o cachorro morreria de fome.
Dessa vez foram a cavalo, levando um cachorro preto da irmã dele, o corta-ferro, e mais dois homens.
Olharam o gado, e, quando estavam passando perto do cemitério, veio um carro e atropelou o cachorro corta-ferro. O bichinho morreu na hora. O meu cachorro foi levado amarrado para não fugir.
Se é ou não coincidência, Zé Raimundo disse que evita pensar naquilo.
Alguns dias depois, voltou lá para mostrar a propriedade para o Baltazar, e o Baltazar disse a ele:
― Zé Raimundo você é mole demais, sô! Da donde já se viu isso? Se aparecer algo aqui, irei amarrar ele pelo saco.
Zé Raimundo desejou boa sorte, ao Baltazar, explicando que não teve coragem de permanecer ali.
Poucos dias depois de ele sair da casa, o Baltazar bebeu uma enorme quantidade de veneno Furadan[3], e de acordo com os conhecidos dele, fez até um buraco na cacunda.
Ficou-se sabendo também, pela boca dos outros, que logo após o Baltazar ter bebido veneno, foi em direção aos seus amigos e falou que tinha bebido uma coisa e ia morrer, só que não queria morrer de jeito nenhum, mas, ia morrer de todo jeito. E morreu de fato.
Zé Raimundo acha que foram as bobeiras que o sujeito falou que provocaram a sua morte.
Após essa tragédia o senhor José convidou um padre para uma celebração na fazenda assobrada. No dia da missa, além dos muitos convidados e familiares, estavam presentes junto com eles um pai de santo de outra cidade, para resguardar o padre, caso acontecesse algo com ele.
Apenas senhor José e a esposa dele tinham conhecimento do fato. Depois do ato ecumênico, nunca mais teve algo diferente na fazenda. Foram muitos os moradores e nenhum deles reclamou de assombração.
[1] Sapo bem grande conhecido popularmente como cururu.
[2] Lamparina é um objeto cônico de latão onde se derrama querosene que molha um cordão que serve de pavio para colocar fogo e iluminar o local. Lamparinas eram usadas principalmente onde não possuiam energia elétrica. Atualmente são poucas as localidades que as usam.
[3] Furadan é um veneno fortíssimo e perigoso. Inclusive existem vários relatos de pessoas perderem a vida após a sua ingestão.

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terça-feira

A folha e eu, texto de Maria Montillarez

Texto de Maria Montillarez
A folha e eu

       Tempos estes! Tudo que dizemos pode se virar contra nós em mecanismos de redes sociais. É a agonia da coisa dita. A agonia de se viver as palavras que se encadeiam, sem antes filosofar os prós e
os contras delas; verificar se sobrevivem e como possam sobreviver aos crivos mais diversos. Tal qual a Bíblia, pra correr menos risco de afetar o inimaginável, é preciso ser genérico. E se o pensamento for se expandindo em generalidades vai acabar virando antibiótico mental. O escritor desde sempre é martelado pelo que disse ou deixou de dizer, e num desvão ainda cabe o que estaria em certas entrelinhas, um sutil “buraco de minhoca”. Diga, da mais rebuscada à simples frase; escreva um verso. Não há de escapar à malha. Sujeita a toda sorte de subjetividades interpretativas, de uma delas suplico isenção. Aquela em que me tomem por saudosista. Nem vá manipular disso uma crítica a quem o seja. Todos são aquilo que são, não ouso criticar. Apenas eu não sou alguém que se apega à saudade e vai-se deixando invadir por ela de modo a todo o presente se desfazer no ontem, no anteontem, dia desses, ano passado... Fixei-me no hoje, especialmente no agora, neste segundo. Opa!, e a próxima fração de tempo já me resgata e me põe a galope dentro do futuro. Abro os braços e me deixo levar pelo frescor da cavalgada. Nesse espaço eu me deleito em uma tranquilidade sem dívidas. Não há nada a reclamar ou reparar. Dei o melhor de mim. Nalgum momento posso ter sido medíocre. Desagradei até a mim mesma. Ficou isso por aquilo e nada mais restou a cerzir.
Contudo, nos entrementes da vida, vejo que há na árvore uma folha que se amarelou e negou-se a cair. Fica ali, chamando a minha atenção. Ela deve à árvore ou a árvore deve a ela? Essa pergunta tirou-me de meu habitual estado de agora. Aquela folha que não quis cair, transformou-se, rapidamente, em uma lembrança dentro de mim que também se fixou. O calendário marca segunda-feira. Havia muitas segundas-feiras que eu avistava aquela folha teimosa, meio amarelada, como a maioria dos materiais sujeitos ao tempo. Até nossa pele, vejo eu, ganha tom desbotado. Ali estava a folha, que por algum motivo não caía. Havia chovido muito ultimamente, e ventado. Ela permanecera presa. Eu pensei que se eu tocasse nela, com um mínimo de esforço, desgarrá-la-ia de sua insistência prejudicial à árvore. Pensei que se ela não desocupasse espaço, outra folha viçosa estaria impedida de nascer. Felizmente não ocorre assim com seres humanos. Nascemos despreocupados de se há ou não espaço. Deve ser por isso que acabamos nos amontoando em espaços exíguos e nos enfileirando em eterno reclamar dos senãos de nossa absoluta falta de ser árvore. Tem ali, no mundo árvore, alguma espécie de planejamento, e tudo que não é mais digno e salutar para a árvore vai descendo ao chão, viajando pelo ar, rebrotando ou adubando. Tudo no mundo árvore possui destino claro. O mundo humano tem mais imprevisibilidades do que toda a população árvore do mundo da história das árvores. Impossível ponderar o humano. Em demasiada presunção, cogitei que o planejamento daquela folha era o de me atingir, enquanto organismo individualista que me tornei, incapaz do coletivo, este entrelaçado ao anteontem, às segundas-feiras que invariavelmente me chegavam cartas suas. Desde o Norte ao Centro-Oeste as cartas demoravam pontualmente sete dias para chegarem às minhas mãos. Com brevidade eu as respondia, e eram outros sete dias de viagem até as suas mãos. Construímos, de cada lado, grande chumaço de relatos de felicidades e de angústias divididas. Compartilhamos nossos sonhos e nossos medos. Com o passar do tempo ¾ estar presa no presente é trauma? ¾ as cartas de ambos os lados rarearam. E as redes sociais chegaram para extingui-las. E sepultamo-las de vez, na agonia das coisas ditas. Na agonia de se viver cada palavra que se encadeava de supetão, naquela simplicidade da crença de nenhum mal-entendido e filosofias rasas. A filosofia vem de pensamentos profundos, remoídos, revisitados, tão depurados que nada cause de impacto ao coração. A filosofia pode ser um concerto para a alma, mas entregar sua verdade a alguém é um concerto para o coração. O instante em que a coisa dita se torna a agonia de ter de ser explicada, pois em si mesma tornou-se insuficiente ou demasiada; se, por seu turno, necessita de medidas para sobreviver ao crivo, tal qual a Bíblia, o antibiótico de amplo espectro, a fim de correr menos risco de afetar o inimaginável, e ser martelado pelo que disse ou deixou de dizer, e, num desvão, ainda cabendo o que estaria em supostas entrelinhas, um sutil “buraco de minhoca”... A folha da árvore, de repente, despencou. Foi como um click. As cartas haviam parado e as redes sociais invadido o mundo, asfixiando a ternura de enviar cartas, frustrando a espera pela resposta delas, que jamais, jamais outra vez chegariam. As redes sociais invadiram o mundo, e é importante não ser saudosista, porque ser saudosista é admitir-se folha amarelada. Melhor se recompor no agora.

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sexta-feira

Prefácio do livro Histórias do além (assombrações, experiências sobrenaturais, visagens, tesouros,...)

Prefácio:


UMA LEITURA ASSOMBRADA E DIVERTIDA
Assim que comecei a ler o livro de Rogério Corrêa, Histórias do Além (assombrações, visagens, experiências sobrenaturais, tesouros, ...), imediatamente me veio à lembrança Dona Cenira, uma vizinha nossa, de minha infância em Palmares─Pernambuco, que à noite, sentada numa cadeira na calçada, costumava nos
contar "Histórias de Trancoso"— era assim que se denominavam os "causos" do além naquele tempo.
Para nós outros, os meninos vadios e andejos que ficávamos sentados no meio-fio, coladas uns aos outros, tremendo muito — não de frio, pois o calor era imenso na Mata Sul pernambucana, mas tremendo de medo —, foram momentos de intensa magia, que ficaram em nossas lembranças para sempre.
Lembrei-me também de Seu Amaro, um viúvo surdo que conversava com sua falecida esposa todos as noites, falando alto, aos gritos, num diálogo que era escutado pelos vizinhos. Nós morávamos em frente à casa dele.
— Tá cum saudades de Amaro? — perguntava ele em voz alta, trancado na sala, com as luzes apagadas.
E ele mesmo respondia de imediato, com um grito triunfante:
— Tô!!! 
Na verdade, os vizinhos só ouviam a voz de Seu Amaro, mas eu ouvia a resposta da morta como se fosse mesmo ela confirmando a pergunta do marido.
Os títulos das crônicas deste livro de Rogério Corrêa casam-se admiravelmente com o fantástico contido no título deste livro que é Histórias do Além, e cito alguns deles: Almas Perdidas, Ponte das Almas Perdidas, A Visão de uma Falecida, Baile das Almas, O Defunto que Saiu do Caixão. E por aí vai. O subtítulo é um resumo da intrigante leitura em que o leitor irá mergulhar: Assombrações, Experiências Sobrenaturais, visagens, tesouros...
Em Palmares, quem passava pela rua do cemitério após a meia-noite, ouvia perfeitamente a voz de um defunto pedindo reza. A história do ente fantástico Pé-de-Espeto e os relatos dos pescadores que viam almas quando jogavam suas tarrafas nas águas do Rio Una eram partes integrantes do imaginário das crianças daquela terra. 
De modo que a leitura de Histórias do além foi para mim uma volta prazerosa ao irrealismo assombroso de minha infância. Um irrealismo tão real que permaneceu para sempre em minha cabeça, me dando sustos até os dias de hoje.
Na crônica "O Dia da Própria Morte", Rogério narra o incrível telefonema de um pai para sua filha, avisando-a de que viesse visitá-lo a tempo, pois ele iria morrer "na próxima quarta-feira". E o pai não estava caduco e aparentava gozar de boa saúde!...
Misturando assombração com hilaridade temos uma crônica com o título de "Região conhecida como Caga-Fogo". Não pude deixar de rir lembrando-me do besouro caga-fogo, abundante na paisagem dos meus tempos de criança.
O livro, revela o autor, é fruto de pesquisas feitas durante alguns anos, além de entrevistas com várias pessoas, sobretudo do interior de Minas Gerais e Goiás. Ou seja, tudo passa na verdade!
"Dicoque" (presumo que a palavra seja derivada da expressão "de cócoras") é, certamente o sapo cururu nordestino. Na crônica "Guardião da botija de ouro", revejo uma das palavras mágicas que povoaram a minha infância, a "botija", símbolo de fartura e de riqueza.
Quem encontrava uma, era assim como quem acerta hoje um gordo prêmio da loteria. Lembro-me de muitas histórias dos caçadores de tesouros que almejavam encontrar fortunas cavando as margens lamacentas do Rio Una para encontrar uma botija.
A crônica que fecha o livro, intitulada "O que é do homem o bicho não come", envolve a natureza viva, homens e animais, e a natureza bruta, pedras preciosas, numa simbiose perfeita para encerrar com chave de ouro esta coletânea de maravilhas! Uma leitura que é, a um só tempo, assombrosa e divertida. São cinco capítulos de encantamentos, fantasmagorias e mágicos momentos.
Recomendo com muito entusiasmo.
Sucesso aos dois: à obra e ao seu autor!

Luiz Berto Filho é escritor pernambucano
Editor do Jornal da Besta Fubana
www.luizberto.com

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segunda-feira

Casebre mal-assombrado. Trecho do livro Histórias do Além, de Rogério Corrêa

Trecho do livro Histórias do além, de Rogério Corrêa:

Casebre mal-assombrado:
  

Na sede velha de uma fazenda em Minas Gerais já aconteceram muitas coisas estranhas.
O finado Jair contou que testemunhou um dia em que algumas pessoas espíritas desenterraram um pequeno tesouro perto do velho casebre.
Aconteceram muitas coisas estranhas naquela noite, viram dicoques[1] do tamanho de uma bacia, um gato preto dos olhos vermelhos e do rabo muito grosso, além do aparecimento de marimbondos.
Zé Raimundo contou que morava na tal casa de fazenda do senhor José, seu compadre, e presenciou um casal de baianos que morava em Belo Horizonte e havia sido contratado para tirar as coisas esquisitas dali, falharem. Assim como outros, como se verá adiante. No caso dos baianos, um bicho prendeu as pernas do homem atrás da cabeça dele, e a coisa foi feia. Somente com muito sacrifício foi que as pernas do homem voltaram para o lugar.
Em outra ocasião chamaram uma mulher para “fazer o trabalho” de tentar retirar as assombrações do lugar. A mulher começou a falar coisas incompreensíveis, e andar com as mãos em lugar dos pés. Às vezes, andava apenas em uma das mãos dentro da casa. Foi um peteco só.

Já era bem tarde da noite, e o Zé Raimundo e a esposa dele não queriam dormir no local, então resolveram ir para Vazante.
No entanto, as pessoas contratadas pediram para ninguém ir enquanto não concluíssem todo o trabalho, caso contrário poderia acontecer alguma coisa no caminho.
As recomendações foram atendidas, aguardaram dentro do carro. Quando era de madrugada, acordaram e avistaram um homem estranho passando próximo ao carro e desaparecer em seguida. Isso não o impressionou, pois podia ser uma pessoa qualquer passando por ali naquele horário. Porém, criou coragem de ir embora para a cidade, mesmo correndo o perigo de o bicho jogar eles dentro de uma ponte ou coisa parecida.
Não aconteceu nada e também não resolveram o problema.
Novamente trouxeram ajuda com outra pessoa do ramo, outra mulher. Ela chegou na fazenda por volta de meio-dia. Pouco tempo depois ela disse que a coisa estava debaixo de um pé  de manga. Mal falou isso e levou uma queda bruta que a virou de pés pra cima, ela se esborrachou no chão.
Ao se levantar, a mulher estava com uma voz estranha e falando coisas esquisitas, braba como uma onça raivosa, falando que iria pegar um da família. Nessa hora o homem que acompanhava a mulher pediu para ajudá-lo a segurá-la. A mulher passou a mão em um trancelim de ouro e o trancelim se despedaçou em muitos pedaços.
Continuava espumando a boca e falando coisas do outro mundo, coisas que ninguém entendia. O marido da mulher pediu ajuda. Ele era mais jovem, naquela época, tinha muita força. Foi em direção à mulher e deu uma cacetada nas costas dela, com as próprias mãos.  Ele pensou que ela iria cair de bruços devido à forte pancada, só que a coisa deu uma cambalhota e caiu de costas, e continuou falando coisas estranhas.
Novamente o marido da mulher pediu ajuda, no sentido de irem buscar outro cidadão também dedicado ao mundo espiritual para ajudá-los a resolver o caso.
Zé Raimundo não quis saber de ir buscar o outro homem na cidade, entregou as chaves para ele e pediu que entregassem o carro no outro dia.
Pensou que não receberia o carro inteiro. No outro dia entregaram o carro do mesmo jeito que antes e foi informado que não deram conta de resolver o caso.
Se antes não tinha medo, a partir daí começou a ficar com muito receio da coisa. Por respeito ao proprietário da fazenda, apesar dos bons motivos para se mudar de lá, sempre era convencido a não o fazer, porque se se mudasse, nenhuma outra pessoa moraria lá.
Passados alguns dias, acordou durante a noite e sentiu um grande arruaço e ouviu uma voz grossa dentro do quarto escuro. Ele perguntou:
― Quem está aí? O que você quer?
E a coisa respondeu:
― A partir de agora, é eu, ocê ou um túmulo.
Naquela hora ele falou para a coisa que não queria nada de túmulo ou de coisa nenhuma, só queria sair dali.
Chamou a esposa, mas, ela não acordava de jeito nenhum. Depois de muita insistência, conseguiu despertá-la. Contou o que tinha acontecido e informou que iam para a cidade naquela hora (pouco mais de meia-noite). Era só o tempo de vestirem as roupas e pegar uma lamparina[2] para levar até o carro.
Zé Raimundo ficou com tanto medo que chegou a pensar que a coisa iria pegar eles no caminho e cortar o farol do carro. Por isso, tinha de levar uma lamparina.
Entrou no seu fusca e seguiu viagem muito preocupado e ainda assombrado. No caminho não aconteceu nada, porém, quando entrou na cidade, perto onde é o atual Fórum de Justiça, virou para à direita, na rua que atualmente fica a Delegacia de Polícia Civil. A coisa deu uma chicotada no carro, na parte traseira, fez um barulhão, parecia um tiro, de tão alto. Olhou pelo retrovisor e, dos lados, não viu nada. Perdeu a coragem de parar na delegacia e acelerou. Ao chegar na fazenda de seu patrão, não quis acordá-lo. Dormiram na casa próxima, onde a sua mãe morava.
Quando o dia amanheceu, o senhor José avistou o carro, e então foi cumprimentar seu compadre.
― Bom dia, compadre.
― Bom dia.
― O que aconteceu para estar aqui tão cedo? ― Ele perguntou.
Zé Raimundo contou tudo ao patrão, o compadre senhor José, e informou que não voltaria mais àquela casa.
Nessa hora o senhor José colocou as mãos na cabeça e suplicou:
― Meu compadre, pelo amor de Deus, não deixa a casa, porque se o senhor sair de lá, outra pessoa não permanecerá na casa.
― Compadre, dessa vez não tem volta, está decidido, não durmo lá nunca mais.
― Não tem volta mesmo?
― Não, compadre, eu lamento.
Zé Virgílio ficou calado por algum tempo, depois falou:
― O senhor vai ter que voltar lá agora para tirar o leite e levar sal para o gado.
Senhor José era muito sistemático, e por eles darem muito certo, resolveu fazer o solicitado. Quando já estava perto da fazenda, em uma reta, uns cento e poucos metros da casa, a coisa ruim pegou um dos lados do carro e levantou para o alto, se levantasse mais um pouco ele virava. Ficou com tanto medo que só lembrou de pedir proteção à Nossa Senhora, e, então, o cramulhão soltou o fusca e deu aquele solavanco que quase o despedaçou.
Zé Raimundo conta que olhou para os lados e não viu nada. Naquele momento ele se tremia todo, e o medo era demais. A parte da estrada em que ele estava era um lugar tão reto, e sem mais nem menos o trem fez aquilo com o carro!
Terminou de chegar na casa, porém, não entrou dentro dela. Zé Raimundo estava meio desorientado, parecia um tanto ruim da cabeça. Mesmo daquele jeito, tirou o leite, fez os queijos, colocou sal nos cochos e retornou para a fazenda do patrão.
Ficou tão descabreado com aquele lugar assombrado, que acabou esquecendo até o cachorro que ele mais gostava. Nos outros dias ele não retornou à fazenda, o senhor José tinha arrumado outro peão para tirar o leite e fazer os queijos.
Passados alguns dias, Zé Raimundo se lembrou de que tinha de voltar lá para buscar o cachorro, caso contrário, o cachorro morreria de fome.
Dessa vez foram a cavalo, levando um cachorro preto da irmã dele, o corta-ferro, e mais dois homens.
Olharam o gado, e, quando estavam passando perto do cemitério, veio um carro e atropelou o cachorro corta-ferro. O bichinho morreu na hora. O meu cachorro foi levado amarrado para não fugir.
Se é ou não coincidência, Zé Raimundo disse que evita pensar naquilo.
Alguns dias depois, voltou lá para mostrar a propriedade para o Baltazar, e o Baltazar disse a ele:
― Zé Raimundo você é mole demais, sô! Da donde já se viu isso? Se aparecer algo aqui, irei amarrar ele pelo saco.
Zé Raimundo desejou boa sorte, ao Baltazar, explicando que não teve coragem de permanecer ali.
Poucos dias depois de ele sair da casa, o Baltazar bebeu uma enorme quantidade de veneno Furadan[3], e de acordo com os conhecidos dele, fez até um buraco na cacunda.
Ficou-se sabendo também, pela boca dos outros, que logo após o Baltazar ter bebido veneno, foi em direção aos seus amigos e falou que tinha bebido uma coisa e ia morrer, só que não queria morrer de jeito nenhum, mas, ia morrer de todo jeito. E morreu de fato.
Zé Raimundo acha que foram as bobeiras que o sujeito falou que provocaram a sua morte.
Após essa tragédia o senhor José convidou um padre para uma celebração na fazenda assobrada. No dia da missa, além dos muitos convidados e familiares, estavam presentes junto com eles um pai de santo de outra cidade, para resguardar o padre, caso acontecesse algo com ele.
Apenas senhor José e a esposa dele tinham conhecimento do fato. Depois do ato ecumênico, nunca mais teve algo diferente na fazenda. Foram muitos os moradores e nenhum deles reclamou de assombração.


[1] Sapo bem grande conhecido popularmente como cururu.
[2] Lamparina é um objeto cônico de latão onde se derrama querosene que molha um cordão que serve de pavio para colocar fogo e iluminar o local. Lamparinas eram usadas principalmente onde não possuiam energia elétrica. Atualmente são poucas as localidades que as usam.
[3] Furadan é um veneno fortíssimo e perigoso. Inclusive existem vários relatos de pessoas perderem a vida após a sua ingestão.   


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