Trecho do livro "Pescador de Histórias":
Pescaria
de traíras no rio Carinhanha:
[...] Pela manhã, os que
gostavam de pescar de anzol continuaram pegando piabas e piaus na vereda e no
rio. Também beberam bastante cerveja para alegrar a estadia naquele paraíso que
parecia ter sido extraído do livro “Grande sertão: veredas”, de João Guimarães
Rosa. Uma paisagem linda, e
ao mesmo tempo, um mergulho nas cruezas que o livro
apresenta, foi o que me disse o amigo que me narrou essa história.
Aquelas veredas,
emergindo e cortando o sertão afora, dando aquele caráter de que estavam
vivendo ali há mais de cinquenta anos, sem energia elétrica, e ficando muitos
meses sem ir ao povoado mais próximo, conforme dissera a eles aquele caseiro.
Porém, feliz e de bem com a vida, sempre com um sorriso estampado no rosto,
chamava-se Dimas, um homem simples que vivia isolado ali apenas com a esposa.
Bastava conversar com ele alguns minutos, e se tinha um aprendizado de vida
enorme.
Ao se ver a
simplicidade e alegria do casal, sempre prestativos e com o sorriso estampado
na cara, os amigos chegaram a comentar:
— O que é necessário para se viver bem e ser feliz daquele tanto?
Nesse instante as
mentes devaneiam e começam a fazer várias indagações, tais como: O que é necessário para ser feliz? Se for dinheiro,
porque muitos têm e não são felizes? Se for conforto, bem, ali definitivamente
a noção de conforto era bem outra. Aquele casal não apenas viviam com o mínimo,
eles aparentam ser muito felizes.
Partindo desse
princípio, pode-se pensar que a felicidade é aceitar a vida como ela é. Ir-se
vivendo como se estivesse em um barco à deriva, curtindo cada momento como se
ele fosse o último. Talvez seja isso, e só. O que soaria limitante para nós
seres humanos que somos expansivos. Mas, a felicidade pode ser um estado de
espírito, pois aquele casal vivia como se estivessem em um oásis, gratos sempre
pelos benefícios da natureza crua. De algum modo, eles vivendo isolados naquele
sertão, cortado por algumas veredas, eram os senhores do lugar. E isso pode elevar
a análise ao mais básico do ser humano, resumindo aquele lindo casal feliz ao
arquétipo comum de “os poderosos do lugar”; o paraíso era governado por eles e
somente eles.
Esses devaneios
podem nos levar, inclusive, ao pensamento de que aquele casal não sente falta
de outras realidades, porque eles sempre vivenciaram aquela, e não têm como
sentir falta do que nunca tiveram. Senhores de sua versão de mundo, portanto.
Ter um mundo só seu, com visitantes aleatórios e temporários, deve mesmo causar
alguma felicidade. Mas, não teria essa felicidade apenas o decurso de cada
estadia de cada visitante, indo-se embora quando esses partissem? A felicidade
estava no lugar ou em quem chegava e era uma novidade? Como o casal ficaria
depois, na rotina diária, um pelo outro? Seriam mesmo felizes quando a poeira
dos carros assentasse?
Estou narrando
esses fatos, por eles terem incomodado profundamente aquele pescador. Ele teria
feito essa reflexão sobre o casal e depois sobre si mesmo e a realidade que
existia fora daquele lugar. O que para ele e os amigos não passava de uma
aventura, era a vida nua e crua daquele casal, talvez para sempre.
O retorno foi
inevitável, e ele já via uma certa tristeza se firmando no lugar no momento da
despedida. Estava certo, nem tudo era felicidade constante. Um pouco pertencia
ao lugar, outro pouco a quem chegava. A partida gerava desconforto a ambos os
lados. Despediram-se e pegaram a estrada [...].
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