Texto do livro Pescador de Histórias:
Manguezal das almas
No século
passado, algumas famílias tinham aquele manguezal como uma das principais
fontes de alimento e de renda. Naquele mangue tinha peixes, caranguejos,
camarões, mexilhões, ostras, cobras e muitos outros seres vivos que habitavam o
rico ecossistema.
Lúcio conta
que seu pai chegou a conhecer um pescador que amava e protegia aquele mangue.
Ainda novo o homem criava caso com os demais pescadores da vila para evitarem
pescar em demasia; debatia quando alguém retirava caranguejos fora de época, ou
outro alimento que o manguezal fornecia. Sempre alertava que, se os caranguejos
fossem extraídos em excesso, seus netos não teriam aquela riqueza. Era um
ambientalista, antes mesmo de esse termo ter sido cunhado ou estar na moda e,
desconhecendo os conceitos que o definem, pois ele era analfabeto como muitos
outros moradores. A sabedoria dele era tanta que sua leitura não parecia fazer
tanta falta; um visionário, quando o assunto em pauta fosse a preservação da
natureza.
Ele amava o
manguezal e, por ironia do destino, foi no manguezal, quando ele estava
capturando caranguejos, que uma cobra venenosa picou-o no pescoço. Levaram-no
para a vila, mas ele não sobreviveu.
Depois da
morte daquele senhor, começaram a acontecer coisas inexplicáveis no mangue.
Ouviam-se gritos, zumbidos... E como é comum em coisas do outro mundo, ninguém
encontrava a origem dos sons. Pouco a pouco os pescadores foram ficando
receosos de pescar sozinhos no mangue, e decidiram andar em grupo.
Três
pescadores mais novos, que não ligavam muito para boatos, decidiram ir ao
manguezal em um número menor de pessoas. O plano deles era aumentar a captura
de peixes e crustáceos, e em pouco tempo conseguiram isso. Tudo que pegavam
vendiam, e foram comprando mais redes, armadilhas e pequenas canoas para
apanharem cada vez mais pescado.
Além das redes
e armadilhas iniciaram a pesca na encosta. Certo dia, os três barcos ficavam
alguns metros um do outro durante a pescaria. Era uma noite de lua cheia e já
tinham pescado muitos peixes. De repente, começaram a ouvir barulhos e zumbidos
estranhos. Acenderam os lampiões e nada avistaram. Resolveram continuar
pescando. Algum tempo depois ouviram uma forte batida bem próximo a eles. Ao
olharem em direção ao barulho na água, viram sobre ela um vulto indo em direção
ao mangue. Todos se assustaram, mas pensaram que fosse um bicho qualquer. Em
seguida ouviram uma voz raivosa:
― Saiam daqui
agora! Este mangue é meu!
Depois dessa
afirmação, alguma coisa virou um dos barcos. Os outros pescadores estranharam e
começaram a olhar ao redor, e ao verem
que alguma coisa estava indo em direção aos seus barcos, eles se jogaram na
água e seguiram nadando para as margens, que não ficava longe.
A notícia se
espalhou; comentários de que, se alguém fosse subtrair coisas em demasia do
mangue, as almas dos protetores do manguezal apareceriam para eles e tomariam
tudo.
Lúcio afirmou
que até nos dias atuais as pessoas mais velhas daquele povoado ainda ensinam
aos mais jovens a não tirarem mais do que o necessário do mangue, caso
contrário terão de se haver com as almas do manguezal.
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