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Trecho do livro Histórias do além, de Rogério Corrêa:
Guardião
da botija de ouro
No
interior do município de São Borja ― RS, Gerson narrou que um tio avô,
descendente de alemães, adquiriu há muito tempo uma fazenda antiga e se mudou
para ela.
Tinha
uma casa grande de assoalho de madeira, casa de queijo, paiol, chiqueiro,
curral, barracão, mangueira e uma casa de tijolo de adobe[1]
já bastante desgastada pelo tempo.
Um
primo dele, depois de trabalhar muito na parte da manhã, foi almoçar. Tirou o
arreio do cavalo e o soltou no barracão para se alimentar e tomar água. Por
estar bem quente, depois de almoçar resolveu tirar uma soneca debaixo de uma
árvore que fica do lado da casa de adobe.
Jogou
um poncho no chão e tirou uma soneca. Ao
acordar, viu um índio com uma faca na mão em cima do esteio da casa, e, de
imediato saltou na direção dele. A única reação que teve foi dar um grito bem
alto. Num piscar de olhos o índio desapareceu. O pai, mãe e irmãos dele foram
ver o porquê dos gritos. Ele contou o que aconteceu e eles falaram que era
coisa da cabeça dele.
No
outro ano resolveram fazer um galinheiro, aproveitando um dos cantos daquela
casa de adobe. Ao furarem do lado do esteio para colocarem uma estaca acertaram
uma pequena botija. Ao desenterrarem, perceberam que tinha ouro dentro. Gerson assegura que não tinha muito ouro,
mais deu um bom dinheiro.
Com
a descoberta da botija de ouro, seu primo começou a pensar naquela visão tida
no ano anterior e que o deixara
apavorado. Talvez fosse, na verdade, o guardião da botija. Concluiu isso por já
ter ouvido falar que em alguns casos o dono da botija, ou alguém que perdeu a
vida por causa dela, se torna guardião.
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Trecho do livro Histórias do além, de Rogério Corrêa:
O tesouro
do bálsamo:
Ainda
jovem um rapaz foi abordado por uma cigana que pediu para ler a mão dele. Ela disse
que tinha um tesouro para ele tirar, só que ele só seria autorizado a isso quando
ficasse mais maduro.
Foram
algumas vezes que o avisaram sobre o tal tesouro, primeiramente a cigana,
depois
em sonho; outra vez uma entidade em um centro espírita. Esta finalmente contou
que o tesouro ficava ao lado de uma árvore bem grande, velha, que se destacava
das demais e ficava perto de onde antigamente passava uma estrada carreira e
quando ele a via sempre se encantava. Falou, inclusive, que foi um viajante que
a escondeu após notar que alguém o estava seguindo para roubar, só que não
conseguiu achar o local onde enterrou.
Pensava
e não conseguia se lembrar da tal árvore! Retornou ao centro espírita e
conversou com a mesma entidade, que só falou:
―
Ela está quase sempre as suas vistas.
A
partir daquela informação o homem começou a furar buracos próximo de algumas
árvores que ele admirava. Numa delas fez um buraco tão grande que a árvore caiu
quando começou a chover. Depois de furar alguns buracos acabou desistindo.
Para
atender a outra demanda, o homem voltou ao centro espírita, e sem ele perguntar
nada, falaram sobre o tesouro enterrado:
―
Você não entendeu o nosso recado. Você tem que procurar onde suas vistas
alcançam. Novamente voltou para casa sem entender nada e não procurou. Algum
tempo depois sonhou derrubando um grande bálsamo, que ficava em suas terras, à
beira de um córrego, a menos de um quilômetro de distância do curral, para
fazer móveis.
Ao
passar próximo ao bálsamo, ele pensou em derrubar aquela árvore para fazer
móveis ou para vender para carapinas construir carros de boi. Só que ficava com
dó, por ser uma árvore tão bonita e
que desde pequeno ouvia seu pai dizer que
com o tronco daquela madeira dava pra fazer muitas coisas, principalmente carro
de boi e móveis bons. Cresceu sabendo que aquela árvore era uma das mais
cobiçadas, e não se lembrava das dicas sobre o local. Talvez porque ele tinha
de ficar mais amadorecido, conforme a cigana falou. Vá saber.
Um
dia, ao acordar, se lembrou de o seu pai falar que na época de seu avô passava
uma velha estrada carreira próximo ao córrego, e só podia ser aquela a árvore!
Quando
o dia raiou, ele pegou uma alavanca e uma boca de lobo e foi em direção ao
bálsamo. Sua mulher estranhou e perguntou onde ele ia tão cedo e antes de tomar
café.
― Vou
ajeitar uma cerca e daqui a pouco volto.
Ao
começar a cavar, apareceram alguns maribondos, e ele foi obrigado a ascender
fogo e jogar galhos verdes para dar bastante fumaça para espantar os bichos
dali. Continuou furando e apareceram
alguns besouros, e mesmo assim continuou a escavação. Ao fazer uma cratera,
encontrou uma camada de carvão e ficou mais fácil de escavacar. Acertou algumas
pedras, ao tirá-las, viu um pedaço de metal. Ao limpar ao redor, viu que era
uma caçarola de ferro com carvão e com outras coisas no fundo. Desceu na beira
do córrego para lavar. Quando mergulhou a caçarola debaixo d’água, o carvão
começou a boiar, e, aos poucos, foi retirando o carvão, e apareceu algumas
pequenas pepitas de ouro no fundo.
De
acordo, com quem contou esse fato, o tesouro era pequeno, mas deu para o homem
comprar algumas criações e para colocar as contas em dia. Que essa coisa de
achar tesouro não é a gente que escolhe, são os espíritos que te dão! Se não
for o escolhido, eles desaparecem na sua frente.
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Trecho do livro Histórias do além, de Rogério Corrêa:
O jeito foi mudar a casa de lugar!
Há muito tempo aconteceu algo assustador a um casal de irmãos. Naquela época uma moça e seu irmão moravam em uma antiga casa, numa fazenda que herdaram dos pais, que por sua vez, haviam herdado dos pais, avós desses irmãos.
Geralmente as fazendas eram afastadas (ainda são) umas das outras, e na maioria das vezes os rapazes namoravam filhas dos vizinhos, para não terem de se locomoverem para tão longe, e o cavalo, era o principal meio de transporte.
Em um dia atípico, de tardezinha a moça começou a sentir uns arrepios estranhos e decidiu ir à casa da vizinha para não ficar sozinha, porque o seu irmão tinha ido a cavalo distante dali, para namorar.
A vizinha era muito pobre e tinha vários filhos. Prosearam, jantaram, e lá pelas 8 horas o filho mais velho chegou com alguns primos para dormirem na casa. A moça assustada, tinha pensado em dormir na vizinha, porém, não teve como, porque as camas eram insuficientes para todos.
Em cada uma das camas já iria dormir mais de uma pessoa, então, ela retornou sozinha para sua casa, naquela noite escura, e preparou a cama para dormir.
Naquele tempo não tinha energia elétrica nas fazendas, só lamparinas e candeias. De repente, algo deu um puxão em sua coberta. Ela acendeu a lamparina e não viu nada. Aumentou o pavio para iluminar mais, conferiu todas as tramelas[1] das portas e janelas para ver se estavam bem fechadas, também olhou debaixo das camas.
Depois de procurar bastante e não encontrar nada, tornou a sentir os arrepios e bateu aquele medo danado. Mas, pensou que poderia ser um rato e ele tinha se escondido no assoalho, então resolveu voltar para a cama, apagou a lamparina.
Passou-se um tempinho, e algo deu novo puxão em sua coberta. A moça novamente acendeu a lamparina, olhou, e nada viu.
O medo já tinha tomado conta dela, então, dessa vez, deixou a lamparina acessa mais tempo, pensando que o seu irmão chegaria rápido. Mas, não chegou.
Outra vez apagou a lamparina, e, depois de um longo tempo, a coberta da cama foi puxada outra vez,mas, com tanta força, que foi parar no outro canto do quarto.
A moça disse que só não morreu, porque seu coração devia estar muito saudável. Ficou tão apavorada, e, como dormir estava fora de questão, resolveu sair de dentro de casa e aguardar o retorno do seu irmão do lado de fora.
Não demorou muito, e escutou, ao longe o galopar do cavalo vindo em sua direção. Gritou o nome do irmão e ele respondeu. Ele quis saber os motivos dela não estar dormindo, e ela contou o que tinha acontecido. Ele sorriu muito, e disse que era tudo coisa da cabeça dela, já que nunca tinha sucedido algo daquela natureza na fazenda ou vizinhança.
Mas, a moça estava tão assombrada, e o susto tinha sido tal que ela teve de dormir com o irmão, todavia, naquela noite não houve mais incidentes.
No dia seguinte a moça disse ao irmão que não dormiria mais na casa, e, preparou suas roupas e as colocou em uma mala, despediu-se do irmão e seguiu para a estrada de terra por onde um ônibus passaria pela manhã, em direção à cidade mais próxima. Iria para a casa de familiares.
Contudo, o irmão não quis acreditar naquilo que lhe pareceram supostas assombrações sofridas pela irmã, e ficou sozinho na casa.
Alguns dias se passaram, e aconteceram coisas bem piores com ele: tomaram a coberta, escutou rinchados, gritos e latidos dentro da casa, e, quando acendia a lamparina não via nada. O medo foi tão grande que na mesma noite ele saiu da casa e foi dormir na fazenda do pai de sua namorada.
Ao chegar lá na fazenda contou a eles o que aconteceu à sua irmã e a ele. O assunto foi largamente discutido e os mais entendidos lhe aconselharam: “O jeito é mudar a casa de lugar!”
Nos dias que se seguiram permanecia na propriedade até a tarde, e, antes do anoitecer seguia para a fazenda da namorada. Ao mesmo tempo avisava os amigos que iria fazer um mutirão para desmanchar a casa.
Poucos dias depois desmancharam a casa e fizeram outra próxima à estrada e a um pequeno córrego.
Apesar de haverem mudado a casa de lugar, a moça ficou com tanto receio de dormir na casa, que pouco se lhe dava terem-na mudado de lugar. Nunca mais voltou lá para pernoitar. Contudo, o irmão dela permaneceu lá, e, felizmente, o que quer que houvesse de mal-assombrado, não acompanhou a casa na mudança, e o rapaz pôde dormir em paz.
[1]Tramela: é uma espécie de tranca para portas e janelas de madeira, que é feita com um pedaço de madeira resistente, com um furo no centro. Ela é pregada no batente das portas e janelas, de tal modo que pode ser girada para trancar ou destrancar.
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Foi lançado o livro Histórias do além (assombrações, experiências sobrenaturais, visagens, tesouros, ...), de Rogério Corrêa, na versão digital.
Prefácio: UMA LEITURA ASSOMBRADA E DIVERTIDA
Assim que comecei a ler o livro de Rogério Corrêa, Histórias do Além, imediatamente me veio à lembrança Dona Cenira, uma vizinha nossa, de minha infância em Palmares─Pernambuco, que à noite, sentada numa cadeira na calçada, costumava nos contar "Histórias de Trancoso"— era assim que se denominavam os "causos" do além naquele tempo.
Para nós outros, os meninos vadios e andejos que ficávamos sentados no meio-fio, coladas uns aos outros, tremendo muito — não de frio, pois o calor era imenso na Mata Sul pernambucana, mas tremendo de medo —, foram momentos de intensa magia, que ficaram em nossas lembranças para sempre.
Lembrei-me também de Seu Amaro, um viúvo surdo que conversava com sua falecida esposa todos as noites, falando alto, aos gritos, num diálogo que era escutado pelos vizinhos. Nós morávamos em frente à casa dele.
— Tá cum saudades de Amaro? — perguntava ele em voz alta, trancado na sala, com as luzes apagadas.
E ele mesmo respondia de imediato, com um grito triunfante:
— Tô!!!
Na verdade, os vizinhos só ouviam a voz de Seu Amaro, mas eu ouvia a resposta da morta como se fosse mesmo ela confirmando a pergunta do marido.
Os títulos das crônicas deste livro de Rogério Corrêa casam-se admiravelmente com o fantástico contido no título deste livro que é Histórias do Além, e cito alguns deles: Almas Perdidas, Ponte das Almas Perdidas, A Visão de uma Falecida, Baile das Almas, O Defunto que Saiu do Caixão. E por aí vai. O subtítulo é um resumo da intrigante leitura em que o leitor irá mergulhar: Assombrações, Experiências Sobrenaturais, visagens, tesouros...
Em Palmares, quem passava pela rua do cemitério após a meia-noite, ouvia perfeitamente a voz de um defunto pedindo reza. A história do ente fantástico Pé-de-Espeto e os relatos dos pescadores que viam almas quando jogavam suas tarrafas nas águas do Rio Una eram partes integrantes do imaginário das crianças daquela terra.
De modo que a leitura de Histórias do além foi para mim uma volta prazerosa ao irrealismo assombroso de minha infância. Um irrealismo tão real que permaneceu para sempre em minha cabeça, me dando sustos até os dias de hoje.
Na crônica "O Dia da Própria Morte", Rogério narra o incrível telefonema de um pai para sua filha, avisando-a de que viesse visitá-lo a tempo, pois ele iria morrer "na próxima quarta-feira". E o pai não estava caduco e aparentava gozar de boa saúde!...
Misturando assombração com hilaridade temos uma crônica com o título de "Região conhecida como Caga-Fogo". Não pude deixar de rir lembrando-me do besouro caga-fogo, abundante na paisagem dos meus tempos de criança.
O livro, revela o autor, é fruto de pesquisas feitas durante alguns anos, além de entrevistas com várias pessoas, sobretudo do interior de Minas Gerais e Goiás. Ou seja, tudo passa na verdade!
"Dicoque" (presumo que a palavra seja derivada da expressão "de cócoras") é, certamente o sapo cururu nordestino. Na crônica "Guardião da botija de ouro", revejo uma das palavras mágicas que povoaram a minha infância, a "botija", símbolo de fartura e de riqueza.
Quem encontrava uma, era assim como quem acerta hoje um gordo prêmio da loteria. Lembro-me de muitas histórias dos caçadores de tesouros que almejavam encontrar fortunas cavando as margens lamacentas do Rio Una para encontrar uma botija.
A crônica que fecha o livro, intitulada "O que é do homem o bicho não come", envolve a natureza viva, homens e animais, e a natureza bruta, pedras preciosas, numa simbiose perfeita para encerrar com chave de ouro esta coletânea de maravilhas! Uma leitura que é, a um só tempo, assombrosa e divertida. São cinco capítulos de encantamentos, fantasmagorias e mágicos momentos.
Recomendo com muito entusiasmo.
Sucesso aos dois: à obra e ao seu autor!
Luiz Berto Filho é escritor pernambucano
Editor do Jornal da Besta Fubana
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Trecho do livro Histórias do além, de Rogério Corrêa:
O que é do homem
o bicho não come
Heitor
contou que na região onde a família dele possui umas terras no estado de
Tocantins, havia pedras preciosas.
Era
uma região de serra, e, na época, as nascentes de água e riachos não eram fechadas com cerca de
arame e o gado bebia água nelas. Ele lembra que desde jovem ouvia os mais
velhos falarem que quando uma novilha não pegava cria e não engordava, poderia
ser por ela ter engolido algumas dessas pedras quando ia beber água.
Há
mais de 30 anos, suspeitaram de uma novilha com aqueles sintomas mencionados, e
o pai dele pediu para eles sacrificarem o animal. Na empreitada estavam o
Heitor, seu irmão, um primo e um tio.
Depois
de abaterem a novilha e abrirem, o tio dele apalpou o fel da novilha e
constatou que tinha algumas pedras. Chamou os demais para tocarem também no
fel. Depois de todos apalparem, o tio
abriu o fel com uma faca e retirou três pedras brilhantes. Chamou o sobrinho para pegá-las. Quando
colocou as pedras na palma da mão, fechou a mão e em seguida abriu para
observar as pedras, avistou somente um clarão na palma da mão, se assustou com
o brilho e as deixou cair no chão no meio do esterco das vacas e cascalho, e elas
desapareceram. Procuraram bastante no local que elas caíram e não encontraram
nunca mais.
Ao
contar o acontecido ao seu pai, ele apenas disse:
― O
que é do homem o bicho não come! Se as tais pedras não eram pra ser nossas,
então não se deve questionar o acontecido.
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Trecho do livro Histórias do além, de Rogério Corrêa:
O jeito foi mudar a casa de
lugar!
Há
muito tempo aconteceu algo assustador a um casal de irmãos. Naquela época uma
moça e seu irmão moravam em uma antiga casa, numa fazenda que herdaram dos
pais, que por sua vez, haviam herdado dos pais, avós desses irmãos.
Geralmente
as fazendas eram afastadas (ainda são) umas das outras, e na maioria das vezes
os rapazes namoravam filhas dos vizinhos, para não terem de se locomoverem para
tão longe, e o cavalo, era o principal meio de transporte.
Em
um dia atípico, de tardezinha a moça começou a sentir uns arrepios estranhos e
decidiu ir à casa da vizinha para não ficar sozinha, porque o seu irmão tinha
ido a cavalo distante dali, para namorar.
A
vizinha era muito pobre e tinha vários filhos. Prosearam, jantaram, e lá pelas 8
horas o filho mais velho chegou com alguns primos para dormirem na casa. A moça
assustada, tinha pensado em dormir na vizinha, porém, não teve como, porque as
camas eram insuficientes para todos.
Em
cada uma das camas já iria dormir mais de uma pessoa, então, ela retornou
sozinha para sua casa, naquela noite escura, e preparou a cama para dormir.
Naquele
tempo não tinha energia elétrica nas fazendas, só lamparinas e candeias. De
repente, algo deu um puxão em sua coberta. Ela acendeu a lamparina e não viu nada.
Aumentou o pavio para iluminar mais, conferiu todas as tramelas[1]
das portas e janelas para ver se estavam bem fechadas, também olhou debaixo das
camas.
Depois
de procurar bastante e não encontrar nada, tornou a sentir os arrepios e bateu
aquele medo danado. Mas, pensou que poderia ser um rato e ele tinha se
escondido no assoalho, então resolveu voltar para a cama, apagou a lamparina.
Passou-se
um tempinho, e algo deu novo puxão em sua coberta. A moça novamente acendeu a
lamparina, olhou, e nada viu.
O
medo já tinha tomado conta dela, então, dessa vez, deixou a lamparina acessa
mais tempo, pensando que o seu irmão chegaria rápido. Mas, não chegou.
Outra
vez apagou a lamparina, e, depois de um longo tempo, a coberta da cama foi
puxada outra vez,mas, com tanta força, que foi parar no outro canto do
quarto.
A
moça disse que só não morreu, porque seu coração devia estar muito saudável.
Ficou tão apavorada, e, como dormir estava fora de questão, resolveu sair de
dentro de casa e aguardar o retorno do seu irmão do lado de fora.
Não
demorou muito, e escutou, ao longe o galopar do cavalo vindo em sua direção.
Gritou o nome do irmão e ele respondeu. Ele quis saber os motivos dela não
estar dormindo, e ela contou o que tinha acontecido. Ele sorriu muito, e disse
que era tudo coisa da cabeça dela, já que nunca tinha sucedido algo daquela
natureza na fazenda ou vizinhança.
Mas,
a moça estava tão assombrada, e o susto tinha sido tal que ela teve de dormir
com o irmão, todavia, naquela noite não houve mais incidentes.
No
dia seguinte a moça disse ao irmão que não dormiria mais na casa, e, preparou
suas roupas e as colocou em uma mala, despediu-se do irmão e seguiu para a
estrada de terra por onde um ônibus passaria pela manhã, em direção à cidade
mais próxima. Iria para a casa de familiares.
Contudo,
o irmão não quis acreditar naquilo que lhe pareceram supostas assombrações
sofridas pela irmã, e ficou sozinho na casa.
Alguns
dias se passaram, e aconteceram coisas bem piores com ele: tomaram a coberta,
escutou rinchados, gritos e latidos dentro da casa, e, quando acendia a
lamparina não via nada. O medo foi tão grande que na mesma noite ele saiu da
casa e foi dormir na fazenda do pai de sua namorada.
Ao
chegar lá na fazenda contou a eles o que aconteceu à sua irmã e a ele. O
assunto foi largamente discutido e os mais entendidos lhe aconselharam: “O
jeito é mudar a casa de lugar!”
Nos
dias que se seguiram permanecia na propriedade até a tarde, e, antes do
anoitecer seguia para a fazenda da namorada. Ao mesmo tempo avisava os amigos
que iria fazer um mutirão para desmanchar a casa.
Poucos
dias depois desmancharam a casa e fizeram outra próxima à estrada e a um
pequeno córrego.
Apesar
de haverem mudado a casa de lugar, a moça ficou com tanto receio de dormir na
casa, que pouco se lhe dava terem-na mudado de lugar. Nunca mais voltou lá para
pernoitar. Contudo, o irmão dela permaneceu lá, e, felizmente, o que quer que
houvesse de mal-assombrado, não acompanhou a casa na mudança, e o rapaz pôde
dormir em paz.
[1]Tramela: é uma espécie de tranca para portas e janelas de madeira, que é feita com um
pedaço de madeira resistente, com um furo no centro. Ela é pregada no batente
das portas e janelas, de tal modo que pode ser girada para trancar ou
destrancar.
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Foi lançado o livro Histórias do além (assombrações, experiências sobrenaturais, visagens, tesouros, ...), de Rogério Corrêa, na versão digital.
Prefácio: UMA LEITURA ASSOMBRADA E DIVERTIDA
Assim que comecei a ler o livro de Rogério Corrêa, Histórias do Além, imediatamente me veio à lembrança Dona Cenira, uma vizinha nossa, de minha infância em Palmares─Pernambuco, que à noite, sentada numa cadeira na calçada, costumava nos contar "Histórias de Trancoso"— era assim que se denominavam os "causos" do além naquele tempo.
Para nós outros, os meninos vadios e andejos que ficávamos sentados no meio-fio, coladas uns aos outros, tremendo muito — não de frio, pois o calor era imenso na Mata Sul pernambucana, mas tremendo de medo —, foram momentos de intensa magia, que ficaram em nossas lembranças para sempre.
Lembrei-me também de Seu Amaro, um viúvo surdo que conversava com sua falecida esposa todos as noites, falando alto, aos gritos, num diálogo que era escutado pelos vizinhos. Nós morávamos em frente à casa dele.
— Tá cum saudades de Amaro? — perguntava ele em voz alta, trancado na sala, com as luzes apagadas.
E ele mesmo respondia de imediato, com um grito triunfante:
— Tô!!!
Na verdade, os vizinhos só ouviam a voz de Seu Amaro, mas eu ouvia a resposta da morta como se fosse mesmo ela confirmando a pergunta do marido.
Os títulos das crônicas deste livro de Rogério Corrêa casam-se admiravelmente com o fantástico contido no título deste livro que é Histórias do Além, e cito alguns deles: Almas Perdidas, Ponte das Almas Perdidas, A Visão de uma Falecida, Baile das Almas, O Defunto que Saiu do Caixão. E por aí vai. O subtítulo é um resumo da intrigante leitura em que o leitor irá mergulhar: Assombrações, Experiências Sobrenaturais, visagens, tesouros...
Em Palmares, quem passava pela rua do cemitério após a meia-noite, ouvia perfeitamente a voz de um defunto pedindo reza. A história do ente fantástico Pé-de-Espeto e os relatos dos pescadores que viam almas quando jogavam suas tarrafas nas águas do Rio Una eram partes integrantes do imaginário das crianças daquela terra.
De modo que a leitura de Histórias do além foi para mim uma volta prazerosa ao irrealismo assombroso de minha infância. Um irrealismo tão real que permaneceu para sempre em minha cabeça, me dando sustos até os dias de hoje.
Na crônica "O Dia da Própria Morte", Rogério narra o incrível telefonema de um pai para sua filha, avisando-a de que viesse visitá-lo a tempo, pois ele iria morrer "na próxima quarta-feira". E o pai não estava caduco e aparentava gozar de boa saúde!...
Misturando assombração com hilaridade temos uma crônica com o título de "Região conhecida como Caga-Fogo". Não pude deixar de rir lembrando-me do besouro caga-fogo, abundante na paisagem dos meus tempos de criança.
O livro, revela o autor, é fruto de pesquisas feitas durante alguns anos, além de entrevistas com várias pessoas, sobretudo do interior de Minas Gerais e Goiás. Ou seja, tudo passa na verdade!
"Dicoque" (presumo que a palavra seja derivada da expressão "de cócoras") é, certamente o sapo cururu nordestino. Na crônica "Guardião da botija de ouro", revejo uma das palavras mágicas que povoaram a minha infância, a "botija", símbolo de fartura e de riqueza.
Quem encontrava uma, era assim como quem acerta hoje um gordo prêmio da loteria. Lembro-me de muitas histórias dos caçadores de tesouros que almejavam encontrar fortunas cavando as margens lamacentas do Rio Una para encontrar uma botija.
A crônica que fecha o livro, intitulada "O que é do homem o bicho não come", envolve a natureza viva, homens e animais, e a natureza bruta, pedras preciosas, numa simbiose perfeita para encerrar com chave de ouro esta coletânea de maravilhas! Uma leitura que é, a um só tempo, assombrosa e divertida. São cinco capítulos de encantamentos, fantasmagorias e mágicos momentos.
Recomendo com muito entusiasmo.
Sucesso aos dois: à obra e ao seu autor!
Luiz Berto Filho é escritor pernambucano
Editor do Jornal da Besta Fubana
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Foi lançado o livro Histórias do além (assombrações, experiências sobrenaturais, visagens, tesouros, ...), de Rogério Corrêa, na versão digital.
Prefácio: UMA LEITURA ASSOMBRADA E DIVERTIDA
Assim que comecei a ler o livro de Rogério
Corrêa, Histórias do Além, imediatamente me veio à lembrança Dona
Cenira, uma vizinha nossa, de minha infância em Palmares─Pernambuco, que à
noite, sentada numa cadeira na calçada, costumava nos contar "Histórias de
Trancoso"— era assim que se denominavam os "causos" do além
naquele tempo.
Para nós outros, os meninos vadios e andejos
que ficávamos sentados no meio-fio, coladas uns aos outros, tremendo muito — não
de frio, pois o calor era imenso na Mata Sul pernambucana, mas tremendo de medo —, foram momentos de intensa magia, que ficaram em
nossas lembranças para sempre.
Lembrei-me também de Seu Amaro, um viúvo surdo
que conversava com sua falecida esposa todos as noites, falando alto, aos
gritos, num diálogo que era escutado pelos vizinhos. Nós morávamos em frente à
casa dele.
— Tá cum
saudades de Amaro? — perguntava ele em voz alta, trancado na sala, com as luzes
apagadas.
E ele mesmo respondia de imediato, com um
grito triunfante:
— Tô!!!
Na verdade, os vizinhos só ouviam a voz de Seu
Amaro, mas eu ouvia a resposta da morta como se fosse mesmo ela confirmando a
pergunta do marido.
Os títulos das crônicas deste livro de Rogério
Corrêa casam-se admiravelmente com o fantástico contido no título deste livro
que é Histórias do Além, e cito
alguns deles: Almas Perdidas, Ponte das Almas Perdidas, A Visão de uma
Falecida, Baile das Almas, O Defunto que Saiu do Caixão. E por aí vai. O subtítulo é um resumo da intrigante leitura
em que o leitor irá mergulhar: Assombrações, Experiências Sobrenaturais,
visagens, tesouros...
Em Palmares, quem passava pela rua do
cemitério após a meia-noite, ouvia perfeitamente a voz de um defunto pedindo
reza. A história do ente fantástico Pé-de-Espeto e os relatos dos pescadores
que viam almas quando jogavam suas tarrafas nas águas do Rio Una eram partes
integrantes do imaginário das crianças daquela terra.
De modo que a leitura de Histórias do
além foi para mim uma volta prazerosa ao irrealismo assombroso de minha
infância. Um irrealismo tão real que permaneceu para sempre em minha cabeça, me
dando sustos até os dias de hoje.
Na crônica "O Dia da Própria Morte",
Rogério narra o incrível telefonema de um pai para sua filha, avisando-a de que
viesse visitá-lo a tempo, pois ele iria morrer "na próxima
quarta-feira". E o pai não estava caduco e aparentava gozar de boa saúde!...
Misturando assombração com hilaridade temos
uma crônica com o título de "Região conhecida como Caga-Fogo".
Não pude deixar de rir lembrando-me do besouro caga-fogo, abundante na paisagem
dos meus tempos de criança.
O livro, revela o autor, é fruto de pesquisas
feitas durante alguns anos, além de entrevistas com várias pessoas, sobretudo
do interior de Minas Gerais e Goiás. Ou seja, tudo passa na verdade!
"Dicoque" (presumo que a palavra
seja derivada da expressão "de cócoras") é, certamente o sapo cururu
nordestino. Na crônica "Guardião da
botija de ouro", revejo uma das palavras mágicas que povoaram a minha
infância, a "botija", símbolo de fartura e de riqueza.
Quem encontrava uma, era assim como quem
acerta hoje um gordo prêmio da loteria. Lembro-me de muitas histórias dos
caçadores de tesouros que almejavam encontrar fortunas cavando as margens
lamacentas do Rio Una para encontrar uma botija.
A crônica que fecha o livro, intitulada "O
que é do homem o bicho não come", envolve a natureza viva, homens e
animais, e a natureza bruta, pedras preciosas, numa simbiose perfeita para
encerrar com chave de ouro esta coletânea de maravilhas! Uma leitura que é, a um só tempo, assombrosa
e divertida. São cinco capítulos de encantamentos, fantasmagorias e mágicos
momentos.
Recomendo com muito entusiasmo.
Sucesso aos dois: à obra e ao seu autor!
Luiz Berto Filho é escritor pernambucano
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