Quando se fala em festividades, principalmente aquelas que envolvem a
cultura de um povo, não se deve esquecer que elas são meios originários e
permanentes do nosso progresso.
Nas festas de carros de boi,
os participantes se encontram e alcançam níveis surpreendentes de cooperação,
socialização, solidariedade, amizade, respeito ao próximo, criação de vínculos
permanentes e dedicação à causa maior, que é a preservação de uma cultura que
quase foi extinta.
Sob esse ponto de vista, arrisco-me a afirmar que essas festividades
trazem à tona vários pontos positivos e propagam o ideal de seu povo. Nelas,
tem-se boa comida, prazeres e diversões variadas; abolição temporária da
hierarquia e do status social, ou
seja, nelas se festeja o coletivo, a tradição e não o individualismo e o
artificialismo da sociedade contemporânea.
Portanto, quando se fala em festejar não se
pode esquecer que nenhum outro ser age conforme os seres humanos.
A festa de carros de boi é lúdica e provoca várias reações singulares, tanto nos carreiros, candeeiros,
comitivas, seguidores quanto nos espectadores, que comparecem ativamente.
Consequentemente, muitos se perguntam, qual é o segredo para essas festas
crescerem tanto, ano a ano, e arrastarem uma verdadeira legião de seguidores.
São muitas as possíveis respostas: respeito, amizade, camaradagem,
cooperação, comprometimento, cultura, diversão, honestidade, hospitalidade,
humildade, originalidade, prudência, reinvenção, singularidade, socialização,
tradição etc... Enfim, com a realização de festejos com os carros de boi, mantém-se as tradições e preserva-se a identidade de
um povo.
Muitos pensavam
que, com o uso de tratores, de caminhões, de picapes, de outros meios de transportes
modernos e da crescente evolução da tecnologia, o saudoso carro de boi e a sua cantiga peculiar iriam desaparecer, e só os
encontraríamos em museus, filmes antigos, telas de pinturas ou esquecidos em
fazendas antigas.
Porém, em Vazante e
em muitas outras cidades ocorreu uma reinvenção para o uso dos carros de boi, saiu do labutar para o
festejar (com perdão do trocadilho).
Há alguns anos,
fazendeiros estão voltando a usar seus carros
de boi, adquirindo e encomendando carros novos, com o fim de utilizá-los em
festas, mutirões, desfiles, carreteadas, romarias, exposições e encontros.
Quando se aproxima a data de alguma das festas, a população e os
carreiros começam a se preparar para a festividade, a cidade e os arredores
entram em efervescência. Enquanto os carreiros iniciam os trabalhos com as suas
boiadas, organizam suas tralhas e mantimentos, alguns dos participantes
organizam os seus calendários de trabalhos e preparam as suas montarias para
seguirem os carros de boi.
Isso mesmo: seguirem.
O aumento gradual, ano a ano, do número de participantes e visitantes,
vindos de lugares incogitáveis, de outros estados e países bem distantes de
onde as festas de carros de boi
acontecem, é o principal termômetro para medir o sucesso da festa como evento
comercial. Mas o objetivo primordial do evento, como se verá ao longo desta
história, era o de perpetuar a memória da importância do carro de boi para um grupo de mineiros muito agradecidos pelas
benfeitorias realizadas com a ajuda dos carros. Esse objetivo se consagrou.
Gosto da ideia de pensar que, com este livro, também eu porei o meu tijolo na
construção do grande memorial.
Na época das festividades, seja na véspera, durante ou depois, ao
percorrer as estradas rurais da região, trabalhando em minha pesquisa,
encontrei frequentemente carreiros, candeeiros e muitos entusiastas se
deslocando a pé, no lombo de cavalos, de muares, em burros de carga ou em
lombos de bois. Todos tendo de seguir no mesmo ritmo da boiada carreira, pois é
ela quem determina a velocidade da marcha.
São
muitos os carreiros que levam os familiares e amigos para vivenciarem o que os
seus antepassados faziam para transportar seus mantimentos. É mesmo uma
aventura para se viver e sobreviver em família. Mas fique bastante claro: gente
fraca dos pulmões não pode. Tem poeira que dá pra entupir muitos oásis no
Saara. Não custa advertir.
Essa paixão faz com que muitos percorram longas
distâncias para chegar ao local da festa. São várias as comitivas que se
deslocam, determinadas. Muitos deles
saem de cidades do Estado de Goiás e de municípios mineiros como Coromandel,
João Pinheiro, Patos de Minas, Lagamar, Presidente Olegário e outros.
É o caso da Comitiva Marcha Lenta, são da região do Alto Paranaíba, e já
participaram algumas vezes das festividades. Em todas elas fazem o trajeto
inteiro à moda antiga.
As comitivas se deslocam carregando os mantimentos necessários à viagem
de vários dias. Em suas provisões tem carne salgada e carne na banha, linguiça,
arroz, feijão, farofa, rapadura e farinha de mandioca para manterem a tradição,
além da cachaça para alegrar a viagem e esquentar o frio durante a noite, que
não é pouco.
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Boa leitura,
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