quinta-feira

O bicho pegador de gente, texto do livro Histórias de Carreiros

Texto do livro Histórias de Carreiros, de Rogério Corrêa:

O bicho pegador de gente:


O Tião Corrêa contou que, antes do nascimento dele, o pai dele teve de fazer uma viagem de carro de boi até Patrocínio, para buscar uma carga, junto com outro carreiro e o



candeeiro Caetano. Naquela época, antes de 1940, não havia automóveis na região de Vazante. Ao chegarem próximo à rodovia de Patrocínio,  avistaram um carro antigo que eles chamavam de baratinha, foi quando o Caetano viu aquele negócio estranho,  com dois homens dentro, fazendo um barulho esquisito,  se aproximando. Então, o menino largou a guia e saiu correndo pelo serrado afora. Correu, correu, retornou e pulou dentro do carro de boi. Ficou encolhido abraçando o cabeçalho. O carreiro tentou acalmá-lo dizendo: “Larga de ser bobo, isso é apenas um carro à gasolina”. Caetano respondeu: “Não senhor, não senhor é um bicho, e ele já pegou dois!” Com muita dificuldade conseguiram tirar o Caetano de lá e seguiram viagem. Ao chegarem a Patrocínio, não demorou muito para ouvirem o apito do trem de ferro (maria fumaça) que estava chegando à cidade. Mas quando Caetano viu o tamanho do bicho, com aquele barulho quase que ensurdecedor, novamente ele se desesperou, saiu correndo e entrou na primeira casa que estava com a porta aberta e se escondeu debaixo da cama. Enquanto ele entrava correndo para dentro da casa, os moradores se assustaram e saíram correndo para fora, com medo, sem saber o que estava acontecendo. O carreiro Joaquim Machado pediu licença aos moradores para entrar na casa deles e tirar o Caetano de lá. Quando ele pegou no pé do Caetano e puxou, o menino gritou: “Não me leva não! Tô com medo, tô com medo! O bicho tava falando ticomu, ticomu, ticomu, ticomu!”

Acesse o link em amarelo abaixo para adquirir e conhecer nossas obras - livros digitais ou impressos:

Livros impressos no Clube de Autores

Favor curtir e compartilhar!

Texto do livro Histórias de Carreiros, de Rogério Corrêa


Texto do livro Histórias de Carreiros:

→Técnicas utilizadas para amansar bois carreiros

Há várias técnicas para amansar bois carreiros. Cada carreiro ou candeeiro possui as
suas, embora algumas delas sejam mais eficientes que outras.
De modo geral, o amansador deve dedicar algum tempo a esse trabalho, ser paciente e inicialmente não deve fazer movimentos bruscos; falar baixinho, repetir o nome do animal com certa frequência, ou seja, deve possuir habilidades e destrezas exigidas na doma. Desaconselham-se colocar uma boiada brava no carro de boi e sair carreando no mesmo instante. É preciso passar por um processo de amansamento, habituar o animal a andar em parelha, à aceitação da canga, a saber usar a força em conjunto com os outros bois, a aceitar, reconhecer e obedecer aos comandos, saber realizar manobras, dentre outras habilidades esperada de uma boiada mansa e treinada.
Durante todo o processo de doma devem-se ter alguns cuidados para que não ocorram acidentes, sejam com os próprios bois, condutores ou terceiros. Não há uma idade específica para o boi ser treinado, mas quando são novilhos (garrotes) eles são mais dóceis, aceitam melhor a doma. Na maioria dos casos, eles escolhem-se juntas bem parecidas, mesma raça, tamanho, formato do corpo e coloração das pelagens semelhantes.
Alguns iniciam a doma amarrando cordas em volta do pescoço do bezerro ou novilho para ele se acostumar. Depois que se habitua, ajouja-se este a outro animal, e ensina-os a se locomoverem na mesma marcha, parelha. Posteriormente, alguns colocam as cangas e começam o arrastamento de pequenos troncos. Com o tempo, vai-se aumentando a carga, até se acostumarem a fazer força.
A partir dessa etapa, alguns estão aptos a serem colocados no carro de boi. Contudo, alguns carreiros advertem que o ideal é colocar na junta de coice e na de guia bois experientes; os novatos devem ser colocados nas juntas do meio, até que eles peguem mais experiências. Assim, posteriormente pode-se trocar as posições entre eles, para que aprendam a trabalhar nas funções desejadas, comutando, seja como bois de coice, do meio ou de guia.
Existem outros processos de amansamento, artifícios usados por muitos carreiros, como: novilho atrelado ao jungo giratório; novilho atrelado ao tornilho; novilho atrelado ao mourão.
Esses processos são semelhantes, pois em todos eles possuem um esteio grosso fincado firmemente no chão, com uma peça transversal na qual o boi é atrelado. O boi não tem como se locomover em linha reta, ele apenas fica circulando ao redor do esteio.
Há também o processo de atrelamento por uma peça de ferro, ou por um pequeno cambão com meadas nas pontas, para torcer a corda. Ali, se atrelam dois garrotes e os deixam soltos nas proximidades onde o carreiro esteja, até se acostumarem um com o outro, para depois passarem a outras fases.
Outra forma, é utilizando uma canga velha, mas esse método é em apenas um dos lados e em apenas um novilho. A canga é arrastada pelo novilho até que ele se acostume com o seu formato e peso.
Não se pode esquecer que mesmo que os bois sejam treinados, eles podem adquirir alguns hábitos que para muitos carreiros são defeitos, como: bois que jogam a canga ou negam a canga. Isso dificulta o trabalho do carreiro. Boi que dá coice no cambão, esses podem machucar o carreiro ou terceiros; aqueles bois que deitam e não se levantam, são chamados de boi que amua; boi escorão são aqueles que não fazem força; bois que negam guias são aqueles que bambeiam no momento de carrear; bois agressivos são perigosos e podem machucar pessoas ou animais etc.
Alguns carreiros mencionam que a doma de bois carreiros não é uma tarefa fácil. Nela se coloca a prova os conhecimentos e a desenvoltura do carreiro. Ultimamente, muitos deles não possuem as habilidades ou tempo necessário para esse fim. Tem carreiro preferindo contratar outro carreiro experiente para realizar a atividade que requer, principalmente, paciência, tempo, zelo e carinho com os animais.

Acesse o link em amarelo abaixo para adquirir e conhecer nossas obras - livros digitais ou impressos:

Livros impressos no Clube de Autores

Favor curtir e compartilhar!


terça-feira

Manquezal das almas, trecho do livro Pescador de histórias


Texto do livro Pescador de Histórias, de Rogério Corrêa:

Manguezal das almas

 Algumas pessoas acham os mangues estranhos, e olha que nem conhecem o que aconteceu no mangue que ficou conhecido como manguezal das almas!
No século passado, algumas famílias tinham aquele manguezal como uma das principais fontes de alimento e de renda. Naquele mangue tinha peixes, caranguejos, camarões, mexilhões, ostras, cobras e muitos outros seres vivos que habitavam o rico ecossistema.
Lúcio conta que seu pai chegou a conhecer um pescador que amava e protegia aquele mangue.
Ainda novo o homem criava caso com os demais pescadores da vila para evitarem pescar em demasia; debatia quando alguém retirava caranguejos fora de época, ou outro alimento que o manguezal fornecia. Sempre alertava que, se os caranguejos fossem extraídos em excesso, seus netos não teriam aquela riqueza. Era um ambientalista, antes mesmo de esse termo ter sido cunhado ou estar na moda e, desconhecendo os conceitos que o definem, pois ele era analfabeto como muitos outros moradores. A sabedoria dele era tanta que sua leitura não parecia fazer tanta falta; um visionário, quando o assunto em pauta fosse a preservação da natureza.
Ele amava o manguezal e, por ironia do destino, foi no manguezal, quando ele estava capturando caranguejos, que uma cobra venenosa picou-o no pescoço. Levaram-no para a vila, mas ele não sobreviveu.
Depois da morte daquele senhor, começaram a acontecer coisas inexplicáveis no mangue. Ouviam-se gritos, zumbidos... E como é comum em coisas do outro mundo, ninguém encontrava a origem dos sons. Pouco a pouco os pescadores foram ficando receosos de pescar sozinhos no mangue, e decidiram andar em grupo.
Três pescadores mais novos, que não ligavam muito para boatos, decidiram ir ao manguezal em um número menor de pessoas. O plano deles era aumentar a captura de peixes e crustáceos, e em pouco tempo conseguiram isso. Tudo que pegavam vendiam, e foram comprando mais redes, armadilhas e pequenas canoas para apanharem cada vez mais pescado.
Além das redes e armadilhas iniciaram a pesca na encosta. Certo dia, os três barcos ficavam alguns metros um do outro durante a pescaria. Era uma noite de lua cheia e já tinham pescado muitos peixes. De repente, começaram a ouvir barulhos e zumbidos estranhos. Acenderam os lampiões e nada avistaram. Resolveram continuar pescando. Algum tempo depois ouviram uma forte batida bem próximo a eles. Ao olharem em direção ao barulho na água, viram sobre ela um vulto indo em direção ao mangue. Todos se assustaram, mas pensaram que fosse um bicho qualquer. Em seguida ouviram uma voz raivosa:
― Saiam daqui agora! Este mangue é meu!
Depois dessa afirmação, alguma coisa virou um dos barcos. Os outros pescadores estranharam e começaram a olhar ao redor, e  ao verem que alguma coisa estava indo em direção aos seus barcos, eles se jogaram na água e seguiram nadando para as margens, que não ficava longe.
A notícia se espalhou; comentários de que, se alguém fosse subtrair coisas em demasia do mangue, as almas dos protetores do manguezal apareceriam para eles e tomariam tudo.
Lúcio afirmou que até nos dias atuais as pessoas mais velhas daquele povoado ainda ensinam aos mais jovens a não tirarem mais do que o necessário do mangue, caso contrário terão de se haver com as almas do manguezal. 

Acesse o link em amarelo abaixo para adquirir e conhecer nossas obras - livros digitais ou impressos:

Livros impressos no Clube de Autores

Favor curtir e compartilhar!




Pescaria de traíras no rio Carinhanha, trecho do livro Pescador de Histórias, de Rogério Corrêa

Texto do livro Pescador de Histórias, de Rogério Corrêa 

Pescaria de traíras no rio Carinhanha

Um pescador conhecia uma fazenda no rio Carinhanha que fica na divisa de Minas Gerais com a Bahia e possui quase 6 mil alqueires de terras arenosas, quase toda improdutiva. O proprietário era um homem que morava sul e passava anos sem ir à localidade, pois tinha somente uma sede simples e algumas criações que o caseiro tomava conta.
Esse pescador insistiu com cinco amigos dele, dizendo que naquele rio tinha muitos peixes e que não precisavam levar a canoa, pois ela estava guardada lá. Esses amigos moram em Brasília e resolveram fazer a tal pescaria.
Em uma quinta-feira santa, por volta das 7 horas da noite, saíram de viagem em dois carros, e um deles era um veículo Pampa, que levava o motor, algumas caixas com bastante gelo, muitas caixas de cerveja, e as outras coisas foram em um carro de passeio
Essa fazenda não é muito longe do Distrito Federal, porém, o problema era o difícil acesso. Ao chegar em Minas Gerais não andaram muito e iniciaram o trajeto por estrada de chão. Andaram uns 80 quilômetros em uma região em que a vegetação foi mudando pouco a pouco, por ser bem árida e arenosa. Entraram em uma estrada secundária e seguiram viagem. Algum tempo depois, quem conhecia o lugar, afirmou que estava perto.
O problema começou logo após ele falar aquilo!   Realmente estava perto, porém, por ter muita areia e os carros estarem muito pesados eles não conseguiam andar sozinhos, atolavam com frequência. Foi aí que eles começaram a penar, porque uns tinham de sair dos carros para empurrar, enquanto outros dirigiam, e isso foi assim por uns quinhentos metros com cada carro, ou seja, empurravam um, depois voltavam pra empurrar o outro.
O episódio se deu em vários trechos e, para percorrerem poucos quilômetros, gastaram várias horas. Quando o dia estava amanhecendo, chegaram na tal fazenda.
O caseiro estava tirando leite para fazer um pequeno queijo, e o restante do leite era para subsistência e tratar dos cachorros. Era uma casa simples e sem energia elétrica; utilizavam lamparina para iluminar a casa. Aquele senhor e sua esposa eram sorridentes, alegres e muito prestativos, fato que os marcou.
Conversaram com ele um pouquinho e seguiram para o ponto onde a canoa estava. Ao chegarem ao local, enquanto três deles desciam tudo dos carros, os outros dois foram buscar a canoa e colocar o motor nela. Mesmo sabendo que o dia desfavorece a pescaria, os peixes com fisga acabaram levando, pois, uma pessoa precavida vale por duas. Colocaram a canoa na água, instalaram o motor e seguiram navegando em uma vereda por uns 80 metros até chegar ao rio.
O rio Carinhanha, naquele ponto, não é grande, porém tinha a água tão límpida que dava para ver o fundo de cascalho e de areia fina. Viam muitas piabas, timburés e piaus em abundância, nadando por todos lados. De início eles estavam apenas testando o motor, porém por sorte avistaram um trairão encostado perto de um tronco de árvore e eles o capturaram.
Ao chegarem com aquela traíra de uns 5 quilos, todos ficaram animados, por saberem que, se durante o dia conseguiram pescar um peixe daqueles, quanto mais a noite. Era uma traíra amarelada, diferente das que eles conheciam. Devido ao rio ter muita areia e cascalho, elas desenvolveram uma coloração mais clara. Preparam a traíra e fizeram ela toda ao molho para o café da manhã. Antes mesmo de terminarem o molho, alguns começaram a beber cerveja.
Enquanto eles limpavam o peixe, avistaram na vereda, naquela água límpida, muitas piabas e piaus. Os dois amigos resolveram pescar de anzol, só que não tinham levado iscas. Pretendiam arrancar minhocas no barranco do rio próximo à vereda. Visando uma pescaria rápida, resolveram picar um pedaço de carne de vaca em pedacinhos bem pequenos e tentar a sorte.
Cada vez que jogavam a isca dentro da água, pegavam um peixe. Fisgaram muitas piabas do rabo vermelho e alguns piaus. Resolveram mudar de lugar. Ao chegarem a um poço maior, viram que tinha muitos piau-três-pintas de tamanhos variados. Novamente jogaram o anzol na água e começaram a fisgar piaus com mais de um palmo de tamanho, um após o outro. Em menos de três horas conseguiram pegar um balde de 20 litros quase cheio, e pararam.
Mais tarde, limparam e prepararam todos aqueles peixes, temperaram alguns e fizeram aquela fritada.
Lembre-se de que era sexta-feira da paixão, naquela região estava muito quente, e eles transpiravam muito. No entanto, aquele calor todo não os incomodava, porque estavam adorando a pescaria à beira do rio e na vereda. Já tinham esquecido o quanto penaram, empurrando os carros na chegada até ali, e nem pensavam no retorno.
Após anoitecer, três dos amigos foram pescar de cilibrim e fisga. No início, eles pegaram algumas bicudas (curimatãs), depois resolveram deixar de pegá-las por estarem encontrando muitas traíras, enquanto subiam o rio. Os outros dois amigos ficaram se esbaldando no acampamento de tanto comerem peixes fritos e de tomar cervejas.
Lá pelas três e meia da madrugada, os amigos que estavam pescando retornaram para o acampamento e acordaram os outros pra ajudar a limpar os peixes e colocá-los no gelo. Ao verem a quantidade de traíras que tinham sido pescadas, um deles perguntou:
— Só tem traíra nesse rio?
— Claro que não, porém, por ser um peixe muito saboroso e a maioria delas terem de dois a cinco quilos, resolvemos pegá-las, em vez de bicudas ou piaus. Chegaram a pegar dois pacus e poucas bicudas, mas a maioria foram traíras grandes que deram para encher uma caixa de 170 litros de isopor.
Ainda bem que pegaram aquele tanto de peixes na primeira noite, porque nos outros dias começou a chover durante a tarde e a noite e não tiveram mais como pescar de fisga.
Pela manhã, os que gostavam de pescar de anzol continuaram pegando piabas e piaus na vereda e no rio. Também beberam bastante cerveja para alegrar a estadia naquele paraíso que parecia ter sido extraído do livro “Grande sertão: veredas”, de João Guimarães Rosa. Uma paisagem linda, e ao mesmo tempo, um mergulho nas cruezas que o livro apresenta, foi o que me disse o amigo que me narrou essa história.
Aquelas veredas, emergindo e cortando o sertão afora, dando aquele caráter de que estavam vivendo ali há mais de cinquenta anos, sem energia elétrica, e ficando muitos meses sem ir ao povoado mais próximo, conforme dissera a eles aquele caseiro. Porém, feliz e de bem com a vida, sempre com um sorriso estampado no rosto, chamava-se Dimas, um homem simples que vivia isolado ali apenas com a esposa. Bastava conversar com ele alguns minutos, e se tinha um aprendizado de vida enorme.
Ao se ver a simplicidade e alegria do casal, sempre prestativos e com o sorriso estampado na cara, os amigos chegaram a comentar:
— O que é necessário para se viver bem e ser feliz daquele tanto?
Nesse instante as mentes devaneiam e começam a fazer várias indagações, tais como: O que é necessário para ser feliz? Se for dinheiro, porque muitos têm e não são felizes? Se for conforto, bem, ali definitivamente a noção de conforto era bem outra. Aquele casal não apenas viviam com o mínimo, eles aparentam ser muito felizes.
Partindo desse princípio, pode-se pensar que a felicidade é aceitar a vida como ela é. Ir-se vivendo como se estivesse em um barco à deriva, curtindo cada momento como se ele fosse o último. Talvez seja isso, e só. O que soaria limitante para nós seres humanos que somos expansivos. Mas, a felicidade pode ser um estado de espírito, pois aquele casal vivia como se estivessem em um oásis, gratos sempre pelos benefícios da natureza crua. De algum modo, eles vivendo isolados naquele sertão, cortado por algumas veredas, eram os senhores do lugar. E isso pode elevar a análise ao mais básico do ser humano, resumindo aquele lindo casal feliz ao arquétipo comum de “os poderosos do lugar”; o paraíso era governado por eles e somente eles.
Esses devaneios podem nos levar, inclusive, ao pensamento de que aquele casal não sente falta de outras realidades, porque eles sempre vivenciaram aquela, e não têm como sentir falta do que nunca tiveram. Senhores de sua versão de mundo, portanto. Ter um mundo só seu, com visitantes aleatórios e temporários, deve mesmo causar alguma felicidade. Mas, não teria essa felicidade apenas o decurso de cada estadia de cada visitante, indo-se embora quando esses partissem? A felicidade estava no lugar ou em quem chegava e era uma novidade? Como o casal ficaria depois, na rotina diária, um pelo outro? Seriam mesmo felizes quando a poeira dos carros assentasse?
Estou narrando esses fatos, por eles terem incomodado profundamente aquele pescador. Ele teria feito essa reflexão sobre o casal e depois sobre si mesmo e a realidade que existia fora daquele lugar. O que para ele e os amigos não passava de uma aventura, era a vida nua e crua daquele casal, talvez para sempre.
O retorno foi inevitável, e ele já via uma certa tristeza se firmando no lugar no momento da despedida. Estava certo, nem tudo era felicidade constante. Um pouco pertencia ao lugar, outro pouco a quem chegava. A partida gerava desconforto a ambos os lados. Despediram-se e pegaram a estrada.
Conforme o previsto, empurraram os carros na volta do mesmo jeito que empurraram na ida. O veículo Pampa não tinha som, mas o carro de passeio tinha um porta CD cheio. Contudo, a esposa do dono desse carro tirara os CD’s do carro e não dissera a ele. Ficara somente um CD, de Bruno & Marrone, inserido no som, com a música “Dormi na praça”, lançado em 2000, e tocou aquela música tantas vezes, durante quatro dias, que nenhum deles aguentava mais ouvi-la.
Alguns anos depois, três daqueles pescadores retornaram ao local. Contaram que pessoas do movimento Sem-terras invadiram uma fazenda do outro lado do rio e com o tempo, praticamente acabaram com os peixes da região. Mais um local que o homem conseguiu destruir em pouco tempo!


Acesse o link em amarelo abaixo para adquirir e conhecer nossas obras - livros digitais ou impressos:

Livros impressos no Clube de Autores

Favor curtir e compartilhar!


Trecho do livro "Histórias do Além (assombrações, experiências sobrenaturais, visagens, tesouros, ...)", de Rogério Corrêa

Trecho do livro "Histórias do Além (assombrações, experiências sobrenaturais, visagens, tesouros, ...)", de Rogério Corrêa:
- Casebre mal-assombrado
Na sede velha da fazenda Claro de Minas já aconteceram muitas coisas estranhas.O finado Jair contou que testemunhou um dia em que algumas pessoas espíritas desenterraram um pequeno tesouro perto do velho casebre.
Aconteceram muitas coisas estranhas naquela noite, viram dicoques[1] do tamanho de uma bacia, um gato preto dos olhos vermelhos e do rabo muito grosso, além do aparecimento de marimbondos.
Zé Raimundo contou que morava na tal casa de fazenda do senhor José, seu compadre, e presenciou um casal de baianos que morava em Belo Horizonte e havia sido contratado para tirar as coisas esquisitas dali, falharem. Assim como outros, como se verá adiante. No caso dos baianos, um bicho prendeu as pernas do homem atrás da cabeça dele, e a coisa foi feia. Somente com muito sacrifício foi que as pernas do homem voltaram para o lugar.
Em outra ocasião chamaram uma mulher para “fazer o trabalho” de tentar retirar as assombrações do lugar. A mulher começou a falar coisas incompreensíveis, e andar com as mãos em lugar dos pés. Às vezes, andava apenas em uma das mãos dentro da casa. Foi um peteco só.
Já era bem tarde da noite, e o Zé Raimundo e a esposa dele não queriam dormir no local, então resolveram ir para Vazante.
No entanto, as pessoas contratadas pediram para ninguém ir enquanto não concluíssem todo o trabalho, caso contrário poderia acontecer alguma coisa no caminho.
As recomendações foram atendidas, aguardaram dentro do carro. Quando era de madrugada, acordaram e avistaram um homem estranho passando próximo ao carro e desaparecer em seguida. Isso não o impressionou, pois podia ser uma pessoa qualquer passando por ali naquele horário. Porém, criou coragem de ir embora para a cidade, mesmo correndo o perigo de o bicho jogar eles dentro de uma ponte ou coisa parecida.
Não aconteceu nada e também não resolveram o problema.
Novamente trouxeram ajuda com outra pessoa do ramo, outra mulher. Ela chegou na fazenda por volta de meio-dia. Pouco tempo depois ela disse que a coisa estava debaixo de um pé de manga. Mal falou isso e levou uma queda bruta que a virou de pés pra cima, ela se esborrachou no chão.
Ao se levantar, a mulher estava com uma voz estranha e falando coisas esquisitas, braba como uma onça raivosa, falando que iria pegar um da família. Nessa hora o homem que acompanhava a mulher pediu para ajudá-lo a segurá-la. A mulher passou a mão em um trancelim de ouro e o trancelim se despedaçou em muitos pedaços.
Continuava espumando a boca e falando coisas do outro mundo, coisas que ninguém entendia. O marido da mulher pediu ajuda. Ele era mais jovem, naquela época, tinha muita força. Foi em direção à mulher e deu uma cacetada nas costas dela, com as próprias mãos. Ele pensou que ela iria cair de bruços devido à forte pancada, só que a coisa deu uma cambalhota e caiu de costas, e continuou falando coisas estranhas.
Novamente o marido da mulher pediu ajuda, no sentido de irem buscar outro cidadão também dedicado ao mundo espiritual para ajudá-los a resolver o caso.
Zé Raimundo não quis saber de ir buscar o outro homem na cidade, entregou as chaves para ele e pediu que entregassem o carro no outro dia.
Pensou que não receberia o carro inteiro. No outro dia entregaram o carro do mesmo jeito que antes e foi informado que não deram conta de resolver o caso.
Se antes não tinha medo, a partir daí começou a ficar com muito receio da coisa. Por respeito ao proprietário da fazenda, apesar dos bons motivos para se mudar de lá, sempre era convencido a não o fazer, porque se se mudasse, nenhuma outra pessoa moraria lá.
Passados alguns dias, acordou durante a noite e sentiu um grande arruaço e ouviu uma voz grossa dentro do quarto escuro. Ele perguntou:
― Quem está aí? O que você quer?
E a coisa respondeu:
― A partir de agora, é eu, ocê ou um túmulo.
Naquela hora ele falou para a coisa que não queria nada de túmulo ou de coisa nenhuma, só queria sair dali.
Chamou a esposa, mas, ela não acordava de jeito nenhum. Depois de muita insistência, conseguiu despertá-la. Contou o que tinha acontecido e informou que iam para a cidade naquela hora (pouco mais de meia-noite). Era só o tempo de vestirem as roupas e pegar uma lamparina[2] para levar até o carro.
Zé Raimundo ficou com tanto medo que chegou a pensar que a coisa iria pegar eles no caminho e cortar o farol do carro. Por isso, tinha de levar uma lamparina.
Entrou no seu fusca e seguiu viagem muito preocupado e ainda assombrado. No caminho não aconteceu nada, porém, quando entrou na cidade, perto onde é o atual Fórum de Justiça, virou para à direita, na rua que atualmente fica a Delegacia de Polícia Civil. A coisa deu uma chicotada no carro, na parte traseira, fez um barulhão, parecia um tiro, de tão alto. Olhou pelo retrovisor e, dos lados, não viu nada. Perdeu a coragem de parar na delegacia e acelerou. Ao chegar na fazenda de seu patrão, não quis acordá-lo. Dormiram na casa próxima, onde a sua mãe morava.
Quando o dia amanheceu, o senhor José avistou o carro, e então foi cumprimentar seu compadre.
― Bom dia, compadre.
― Bom dia.
― O que aconteceu para estar aqui tão cedo? ― Ele perguntou.
Zé Raimundo contou tudo ao patrão, o compadre senhor José, e informou que não voltaria mais àquela casa.
Nessa hora o senhor José colocou as mãos na cabeça e suplicou:
― Meu compadre, pelo amor de Deus, não deixa a casa, porque se o senhor sair de lá, outra pessoa não permanecerá na casa.
― Compadre, dessa vez não tem volta, está decidido, não durmo lá nunca mais.
― Não tem volta mesmo?
― Não, compadre, eu lamento.
Zé Virgílio ficou calado por algum tempo, depois falou:
― O senhor vai ter que voltar lá agora para tirar o leite e levar sal para o gado.
Senhor José era muito sistemático, e por eles darem muito certo, resolveu fazer o solicitado. Quando já estava perto da fazenda, em uma reta, uns cento e poucos metros da casa, a coisa ruim pegou um dos lados do carro e levantou para o alto, se levantasse mais um pouco ele virava. Ficou com tanto medo que só lembrou de pedir proteção à Nossa Senhora, e, então, o cramulhão soltou o fusca e deu aquele solavanco que quase o despedaçou.
Zé Raimundo conta que olhou para os lados e não viu nada. Naquele momento ele se tremia todo, e o medo era demais. A parte da estrada em que ele estava era um lugar tão reto, e sem mais nem menos o trem fez aquilo com o carro!
Terminou de chegar na casa, porém, não entrou dentro dela. Zé Raimundo estava meio desorientado, parecia um tanto ruim da cabeça. Mesmo daquele jeito, tirou o leite, fez os queijos, colocou sal nos cochos e retornou para a fazenda do patrão.
Ficou tão descabreado com aquele lugar assombrado, que acabou esquecendo até o cachorro que ele mais gostava. Nos outros dias ele não retornou à fazenda, o senhor José tinha arrumado outro peão para tirar o leite e fazer os queijos.
Passados alguns dias, Zé Raimundo se lembrou de que tinha de voltar lá para buscar o cachorro, caso contrário, o cachorro morreria de fome.
Dessa vez foram a cavalo, levando um cachorro preto da irmã dele, o corta-ferro, e mais dois homens.
Olharam o gado, e, quando estavam passando perto do cemitério, veio um carro e atropelou o cachorro corta-ferro. O bichinho morreu na hora. O meu cachorro foi levado amarrado para não fugir.
Se é ou não coincidência, Zé Raimundo disse que evita pensar naquilo.
Alguns dias depois, voltou lá para mostrar a propriedade para o Baltazar, e o Baltazar disse a ele:
― Zé Raimundo você é mole demais, sô! Da dondejá se viu isso? Se aparecer algo aqui, irei amarrar ele pelo saco.
Zé Raimundo desejou boa sorte, ao Baltazar, explicando que não teve coragem de permanecer ali.
Poucos dias depois de ele sair da casa, o Baltazar bebeu uma enorme quantidade de veneno Furadan[3], e de acordo com os conhecidos dele, fez até um buraco na cacunda.
Ficou-se sabendo também, pela boca dos outros, que logo após o Baltazar ter bebido veneno, foi em direção aos seus amigos e falou que tinha bebido uma coisa e ia morrer, só que não queria morrer de jeito nenhum, mas, ia morrer de todo jeito. E morreu de fato.
Zé Raimundo acha que foram as bobeiras que o sujeito falou que provocaram a sua morte.
Após essa tragédia o senhor José convidou um padre para uma celebração na fazenda assobrada. No dia da missa, além dos muitos convidados e familiares, estavam presentes junto com eles um pai de santo de outra cidade, para resguardar o padre, caso acontecesse algo com ele.
Apenas senhor José e a esposa dele tinham conhecimento do fato. Depois do ato ecumênico, nunca mais teve algo diferente na fazenda. Foram muitos os moradores e nenhum deles reclamou de assombração.
[1] Sapo bem grande conhecido popularmente como cururu.
[2] Lamparina é um objeto cônico de latão onde se derrama querosene que molha um cordão que serve de pavio para colocar fogo e iluminar o local. Lamparinas eram usadas principalmente onde não possuiam energia elétrica. Atualmente são poucas as localidades que as usam.
[3] Furadan é um veneno fortíssimo e perigoso. Inclusive existem vários relatos de pessoas perderem a vida após a sua ingestão.


Acesse o link em amarelo abaixo para adquirir e conhecer nossas obras - livros digitais ou impressos:

Livraria Amazon  

Favor curtir e compartilhar!

A folha e eu, texto de Maria Montillarez

Texto de Maria Montillarez
A folha e eu

       Tempos estes! Tudo que dizemos pode se virar contra nós em mecanismos de redes sociais. É a agonia da coisa dita. A agonia de se viver as palavras que se encadeiam, sem antes filosofar os prós e
os contras delas; verificar se sobrevivem e como possam sobreviver aos crivos mais diversos. Tal qual a Bíblia, pra correr menos risco de afetar o inimaginável, é preciso ser genérico. E se o pensamento for se expandindo em generalidades vai acabar virando antibiótico mental. O escritor desde sempre é martelado pelo que disse ou deixou de dizer, e num desvão ainda cabe o que estaria em certas entrelinhas, um sutil “buraco de minhoca”. Diga, da mais rebuscada à simples frase; escreva um verso. Não há de escapar à malha. Sujeita a toda sorte de subjetividades interpretativas, de uma delas suplico isenção. Aquela em que me tomem por saudosista. Nem vá manipular disso uma crítica a quem o seja. Todos são aquilo que são, não ouso criticar. Apenas eu não sou alguém que se apega à saudade e vai-se deixando invadir por ela de modo a todo o presente se desfazer no ontem, no anteontem, dia desses, ano passado... Fixei-me no hoje, especialmente no agora, neste segundo. Opa!, e a próxima fração de tempo já me resgata e me põe a galope dentro do futuro. Abro os braços e me deixo levar pelo frescor da cavalgada. Nesse espaço eu me deleito em uma tranquilidade sem dívidas. Não há nada a reclamar ou reparar. Dei o melhor de mim. Nalgum momento posso ter sido medíocre. Desagradei até a mim mesma. Ficou isso por aquilo e nada mais restou a cerzir.
Contudo, nos entrementes da vida, vejo que há na árvore uma folha que se amarelou e negou-se a cair. Fica ali, chamando a minha atenção. Ela deve à árvore ou a árvore deve a ela? Essa pergunta tirou-me de meu habitual estado de agora. Aquela folha que não quis cair, transformou-se, rapidamente, em uma lembrança dentro de mim que também se fixou. O calendário marca segunda-feira. Havia muitas segundas-feiras que eu avistava aquela folha teimosa, meio amarelada, como a maioria dos materiais sujeitos ao tempo. Até nossa pele, vejo eu, ganha tom desbotado. Ali estava a folha, que por algum motivo não caía. Havia chovido muito ultimamente, e ventado. Ela permanecera presa. Eu pensei que se eu tocasse nela, com um mínimo de esforço, desgarrá-la-ia de sua insistência prejudicial à árvore. Pensei que se ela não desocupasse espaço, outra folha viçosa estaria impedida de nascer. Felizmente não ocorre assim com seres humanos. Nascemos despreocupados de se há ou não espaço. Deve ser por isso que acabamos nos amontoando em espaços exíguos e nos enfileirando em eterno reclamar dos senãos de nossa absoluta falta de ser árvore. Tem ali, no mundo árvore, alguma espécie de planejamento, e tudo que não é mais digno e salutar para a árvore vai descendo ao chão, viajando pelo ar, rebrotando ou adubando. Tudo no mundo árvore possui destino claro. O mundo humano tem mais imprevisibilidades do que toda a população árvore do mundo da história das árvores. Impossível ponderar o humano. Em demasiada presunção, cogitei que o planejamento daquela folha era o de me atingir, enquanto organismo individualista que me tornei, incapaz do coletivo, este entrelaçado ao anteontem, às segundas-feiras que invariavelmente me chegavam cartas suas. Desde o Norte ao Centro-Oeste as cartas demoravam pontualmente sete dias para chegarem às minhas mãos. Com brevidade eu as respondia, e eram outros sete dias de viagem até as suas mãos. Construímos, de cada lado, grande chumaço de relatos de felicidades e de angústias divididas. Compartilhamos nossos sonhos e nossos medos. Com o passar do tempo ¾ estar presa no presente é trauma? ¾ as cartas de ambos os lados rarearam. E as redes sociais chegaram para extingui-las. E sepultamo-las de vez, na agonia das coisas ditas. Na agonia de se viver cada palavra que se encadeava de supetão, naquela simplicidade da crença de nenhum mal-entendido e filosofias rasas. A filosofia vem de pensamentos profundos, remoídos, revisitados, tão depurados que nada cause de impacto ao coração. A filosofia pode ser um concerto para a alma, mas entregar sua verdade a alguém é um concerto para o coração. O instante em que a coisa dita se torna a agonia de ter de ser explicada, pois em si mesma tornou-se insuficiente ou demasiada; se, por seu turno, necessita de medidas para sobreviver ao crivo, tal qual a Bíblia, o antibiótico de amplo espectro, a fim de correr menos risco de afetar o inimaginável, e ser martelado pelo que disse ou deixou de dizer, e, num desvão, ainda cabendo o que estaria em supostas entrelinhas, um sutil “buraco de minhoca”... A folha da árvore, de repente, despencou. Foi como um click. As cartas haviam parado e as redes sociais invadido o mundo, asfixiando a ternura de enviar cartas, frustrando a espera pela resposta delas, que jamais, jamais outra vez chegariam. As redes sociais invadiram o mundo, e é importante não ser saudosista, porque ser saudosista é admitir-se folha amarelada. Melhor se recompor no agora.

Para continuar lendo os livros de Maria Montillarez, favor acessar um dos links abaixo:

Livraria AMAZON

Favor curtir e compartilhar!

domingo

CORONAVÍRUS FEZ COM QUE AS FESTAS DE CARROS DE BOI FOSSEM CANCELADAS

APÓS O CORONAVÍRUS TODAS AS FESTAS DE CARROS DE BOI FORAM CANCELADAS PARA EVITAR A TRANSMISSÃO DO COVID-19. POR ISSO, ESTE BLOG NÃO ESTÁ POSTANDO NOVAS FESTIVIDADES.  

Acesse o link em amarelo abaixo para adquirir e conhecer nossas obras - livros digitais ou impressos:

Livraria Amazon  

Livros impressos no Clube de Autores

Favor curtir e compartilhar!